Na
voragem das notícias, por entre as que mais chamuscam e que fazem correr tinta,
gastar palavras e demorar horas, vemos umas outras que, mesmo sendo
significativas e de interesse geral, são ofuscadas por aquelas mais sonantes ou
exploradas para encobrir estas.
Foi
noticiado no país vizinho que um alto dirigente duma agremiação política, maila
sua companheira, ambos responsáveis na estrutura, estava prestes a adquirir uma
moradia pelo módico valor de meio milhão de euros… Ele que tinha feito
cavalo-de-batalha para com outro político em tempos não muito recuados por
idêntica façanha, estava agora a ser apanhado na voragem da incongruência… O
posto de mando parece que está em risco e a lógica de ‘olha para o que eu digo
e não para o que eu faço’ não parece surtir efeito lá…
Por cá
um governante foi caçado a ter vendido uma casa pelo dobro do preço pela qual a
tinha adquirido…só no espaço de dez meses. Até aí seria de contentar-nos com a
habilidade/esperteza no negócio… Só que esse mesmo senhor tem vindo a fazer da
sua conduta pela habitação uma cruzada tal – pela não especulação imobiliária,
sobretudo envolvendo pessoas idosas. Ora foi exatamente o que aconteceu: o
senhor governante comprou o apartamento a um casal de idosos, que agora se
sente ludibriado e de alguma forma explorado pelos ganhos do defensor da
não-exploração imobiliária.
= Postos
os factos, talvez tenhamos de fazer uma certa análise à luz da lógica de quem
diz e não faz ou, então, que faz o contrário daquilo que diz…sobretudo sob a
complacência de certos ‘fazedores de opinião’ e por entre as pingas das
discussões à volta da (pretensa) violência (só) no fenómeno desportivo.
– Antes
de mais é de prevenir que outros – ainda em fase de irem a julgamento – tanto quanto
é possível saber, foi deste modo displicente e disfarçado que começaram a
constituir o seu património e as confusões que daí advieram. Dá a impressão que
os casos do passado não têm servido de lição para ninguém… nem para os
jornaleiros nem para os intervenientes!
– Não
pode haver uma visão e leitura para a tropelias cometidas por uns – os da
direita – e uma desculpa mais ou menos tácita para outros – os da (dita)
esquerda – ou andaremos a viver numa sociedade enviesada na sua conduta…onde os
preconceitos reinam e fazem com que não haja justiça nem democracia e tão pouco
igualdade para todos.
–
Nota-se que para uns tantos não há freio para os seus intentos, desde que sejam
cometidos pelos da sua simpatia, até se poderá dar um certo desconto – bem mais
alto do que as taxas de impostos – pois talvez, um dia, possam precisar de
cobertura para os seus lapsos, erros ou enganos…Já estamos escaldados de
leituras ideológicas quanto baste, pois mal vai um país/nação se uns forem
tratados de forma mais benemerente atendendo à coloração do cartão, seja de
militante, seja de sócio da agremiação do fiscal…
= Cada
vez mais é preciso que haja moralidade na vida pública, tenha ela a nota da
‘ética republicana’, tenha a da visão e da vivência da moral cristã ou ainda
segundo uma proposta muçulmana, budista, hinduísta… até na linguagem humanista
sem referência religiosa. Não basta clamar contra, é preciso fazer algo de
construção. De que adianta ter legislação contra a corrupção, se ficam brechas
na lei que permitem aos gabinetes de advogados – alguns são os mesmos,
legisladores e intérpretes – livrar da condenação quem possa estar sob a alçada
da condenação? Não será ilusório querer ajustar contas com quem sabe como pode
escapar? Não terá algo de manipulação que nos façam crer que se está a combater
a corrupção, mas, na hora da sentença, não haja mais do que pequenos indícios
apanhados na teia e não o grosso dos prevaricadores?
= Os
casos que nos fizeram ocupar neste texto são como que a ponta do icebergue da
política visível. Muitas outras situações andam por aí camufladas e
tentaculares. É preciso cercear a hidra para que as ramificações não proliferem
à vontade e de forma impune. Mais do que pequenos e inofensivos caracóis, que
fazem a delícia de tantos em tardes de canícula, importa capturar a multidão de
escorpiões, que deambulam pela vida política, procurando a quem infetar com o
veneno da imunidade de executores das tarefas nem sempre descobertas e tão
pouco castigadas…
António Sílvio Couto
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