A
atitude dum polícia francês, que se ofereceu em troca por uma refém num assalto
terrorista, fez dele um herói nacional…até porque pagou com a própria vida tal
façanha no dia seguinte.
Este
episódio aconteceu ao início da Semana Santa em que contemplamos, meditamos e
rezamos o processo da paixão-morte-ressurreição de Jesus, isto é, o seu
mistério pascal.
Neste
contexto sócio-religioso tentemos refletir sobre a ação admirada e louvável do
polícia francês e o que isso pode/deve colocar-nos em máxima gratidão, em
imenso louvor, em intensa intercessão e em humilde petição.
* O
polícia francês fez o que fez porque foi treinado para estar ao serviço das
populações e no combate ao terrorismo… Ainda há cerca de dois meses tinha feito
com seus outros companheiros um exercício de simulação. Talvez bem mais
depressa do que seria expetável teve de passar da teoria à prática: agora
enfrentando um ato terrorista bastante mortífero, onde a maior parte das
vítimas não tinham nada a ver com as pretensões do autor. O polícia entrou em
cena para tentar minorar os efeitos, mas pagou as consequências com a vida…
Admirar é, possivelmente, o menos que podemos considerar, sentir e viver.
Certamente
que a refém substituída ficará eternamente grata para com aquele polícia.
Também a família dela viverá para sempre reconhecida pelo gesto tão altruísta
do polícia. Todos quantos tenham tomado conhecimento desta façanha admirarão
quem tal protagonizou e até os menos sensíveis à autoridade ficarão com algum
sabor de confusão, pois nem todos os polícias são rudes e autoritários…
*
Estamos em contexto da Semana Santa em vias da celebração da Páscoa. Ora, é,
neste tempo litúrgico-eclesial, que somos chamados a viver a máxima entrega de
Jesus por nós: escutamos os relatos da Sua Paixão, somos confrontados com a
dádiva da Sua vida – iniciada mais proximamente com a ‘última ceia’ e levada ao
extremo na sua morte na cruz – e em cada palavra, em cada gesto e em cada
vivência se perpassa isso que no policial francês foi circunstancial, mas que,
para os cristãos, é universal, intenso e pessoal.
– Jesus
não só pagou por nós a dívida que tínhamos para com Deus por causa do nosso
pecado, mas viveu em amor e por amor a sua total e absoluta entrega para que
todos tenhamos a vida nova da graça e da misericórdia divinas. Isto nos leva a
viver em gratidão pelo modo como Jesus se fez pecado por nós e, sobretudo, como
nos amou quando ainda éramos pecadores. Cada um de nós valeu o sangue de Jesus
e não só uma gota – tal bastaria – mas todo o seu sangue derramado por cada um
de nós e por nós todos. Isso nos coloca a todos e não só de forma individual em
ação de graças: é na eucaristia que vivemos esta vertente de gratidão por
excelência. Enquanto não formos capazes de estar nesta atitude, a própria missa
poderá ser tudo menos o essencial.
– Ao
polícia francês vão conceder um louvor e uma condecoração pelos feitos
prestados. Ora, nós, católicos, louvamos a Deus por tudo quanto Ele nos concede
– aqui é o presente que está em ato – cada vez que celebramos a dádiva do amor
de Jesus entregue, na fórmula da consagração do pão e do vinho como corpo e
sangue de Cristo…entregue/derramado por nós… Será preciso maior outro feito
para vivermos em louvor permanente por Jesus, com Jesus e em Jesus?
– Deu
para perceber que o polícia francês pensou mais na refém do que nele mesmo:
intercedeu para que fosse poupada a vida duma cidadã pela imolação da vida dum
polícia. Por excelência Jesus fez isto na sua paixão-morte: deu-se de forma
gratuita pelos pecadores para tivessem (tenhamos) a vida…em plenitude. Ter em
conta os outros sempre foi marca do ser cristão. Será que o vivemos com um
mínimo de consciência?
– Ao
avançar para aquele ato de bravura, o polícia francês deixou de pensar em si,
embora tenha sido treinado para estar ao serviço dos outros. A disponibilidade
para se colocar no final da lista de preferência talvez não seja o que hoje
caraterize a maior parte das pessoas. Pedir por si mesmo foi aspeto que não
ocupou muito a vida de Jesus, no entanto, Ele sentiu, como ninguém, a
atrocidade da sua paixão, clamando a Deus-Pai que não O abandonasse. Nas horas
de dificuldade confiamos, mesmo, em Deus e na Sua vontade?
Que o
episódio do polícia francês possa motivarmos a vivermos melhor a Semana Santa
deste ano!
António Sílvio Couto
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