Quando
algo corre menos bem ou mal, há quem tente encontrar outrem que possa ser
acusado das culpas, desviando, por vezes, a atenção dos verdadeiros culpados…
Nem que seja por breves momentos, por engano ou por manipulação, esse tal ‘bode
expiatório’ vai ser colocado na crista da onda, levando com os embates e as
críticas, servindo de desculpa para os insucessos ou erros alheios e
tornando-se ainda uma espécie de cortina de fumo, por trás da qual outros não
assumirão as suas culpas nem tão pouco a culpabilização.
Em
vários campos e em diversos momentos vemos surgirem uns certos bodes
expiatórios, que mais não passam de disfarces para quem não se assume nas suas
más ou incorretas opções, sobretudo quando está em causa a (pretensa) imagem ou
a imagem que os outros possam ter de si…
= Valerá
a pena irmos à ideia original do que é o ‘bode expiatório’, enquanto conceito
religioso e com implicações bem mais elevadas do que aquelas que, por vezes,
levam a usar esta expressão na linguagem habitual…
A
expressão ‘bode expiatório’ tem a sua origem no ritual judeu do livro do
Levítico (Lv 16,7-10.20-22.26) em que Aarão, impondo as mãos sobre a cabeça de
um bode, transmite para este animal todos os pecados do povo de Israel... dando-se
assim a expiação/purificação dos pecados de todo o povo. Era o dia da grande
expiação ou do grande perdão (’Yom kippur’). O dito ‘bode expiatório’ era
levado para o deserto onde morreria e com essa morte todos ficavam libertos do
pecado... ele por todos e em vez de cada um!
Na
linguagem religiosa cristã, o sacrifício de Jesus Cristo é entendido em que Ele
é muito mais do que o ‘bode expiatório’, Ele assumiu a nossa condição humana e,
pelo sacrifício da Cruz, venceu o pecado, fazendo-se ele mesmo pecado, e aceitou
a morte, pela sua vitória na ressurreição.
= Na
correria da nossa vida e por entre tantas situações – desde o âmbito mais simples
e pequeno até ao alcance mais complexo e alargado – poderemos identificar algumas
criações de ‘bode expiatório’, como desculpas ou ainda como interpretações
pessoais e/ou alheias:
* quando
falha o plano dum jogo e se quer aduzir que a culpa é do árbitro ou dos que não
deram cobertura às pretensões desejadas;
* quando
a derrota diz mais da qualidade do que os sucessos sem contraditório;
* quando
a incapacidade de fazer melhor tenta esconder-se para que não se descubra a
incompetência e a vulgaridade;
* quando
se notam tantos indícios de cansaço, onde deveria haver entusiasmo e força de
comunicação;
* quando
se ataca quem faz, escondendo quem se acobarda e prefere a maledicência;
* quando
se pretende ajustar a educação aos projetos ideológicos mais subterrâneos do
que às pessoas ávidas de cultura;
* quando
uns tantos apresentam as mãos limpas não de impunidade, mas de inoperância;
* quando
se organizam sessões/celebrações rituais para camuflar a falta de compromisso
com uma fé esclarecida e dinâmica;
* quando
se pretende impor um ritmo de confronto em vez duma atitude de consolo;
* quando
se faz dos outros objetos em vez de serem sujeitos com alma e com espírito
dinamizador…
= Ser
feito ou fazer-se ‘bode expiatório’ poderá ser uma questão urgente, pois num ou
noutro caso estão subjacentes atitudes de vida que podem torná-la com outro
significado. Com efeito, ser feito bode expiatório é algo que poderá carregar
uma pressão social nem sempre adequada ao contexto das questões em causa. Como
referimos há bodes expiatórios que são feitos como substituição de erros duns
tantos para com outros, particularmente mais frágeis ou mesmo fragilizados. Por
seu turno, assumir ser bode expiatório reveste-se de outra complexidade, na
medida em que alguém procura – à semelhança da pessoa de Jesus na sua paixão,
morte e ressurreição – tornar-se capaz de, com os seus gestos, palavras e
comportamento, dar maior significado até ao sofrimento pessoal e dos outros…
Ora, isto implica uma vivência cristã assumida!
António Sílvio Couto
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