Como de
costume a época de transferência no mundo do futebol – por ocasião do verão e
mais tarde no inverno – fervilha. Cada ano as verbas envolvidas crescem em
quantidade e em escândalo. Se, no ano passado, pagar cem milhões de euros por
um jogador deixou todos admirados, que dizer dos mais de duzentos milhões
gastos com um futebolista que sai de Barcelona e vai para Paris?
Diga-se
desde já que esta escravatura – compra e venda de pessoas como se fossem coisas
e, nalgumas situações, um tanto animais – se torna abjeta, incoerente e
vergonhosa. Para quem considerava que os escravos eram mercadoria de quem os
donos dispunham a bel-prazer, que dizer de tudo isto que envolve pessoas
vendidas/compradas em razão duns certos malabarismos com a bola e na destreza
dos pés? Esta mercadoria humana perdeu os direitos a que tem o resto dos que
não jogam à bola? Até onde irá subir o descalabro ou cair a soberba?
De
facto, a ‘indústria do futebol’ – ou será que se tornou mais comércio? – envolve
muito dinheiro, faz carburar muitos interesses e catalisa intuitos de multidões
manipuladas e manipuladoras. Quando o dinheiro se torna o motor da vida de
tanta gente, quase se percebe que o jogador de futebol se tornou mesmo coisa à
qual se presta atenção enquanto rende e que se torna descartável quando as
faculdades artísticas enfraquecem… na maioria dos casos.
=
Tentemos ver os números, tendo em conta outros artistas não tão bem pagos,
embora muito melhores. Diz-se que Neymar, pela venda anunciada, vale 47 vezes
Maradona. Quem não se recorda do ‘espetáculo’ que foi de contestação a Figo,
quando ele trocou Barcelona por Madrid e o apelidaram de ‘pesetero’, isto é,
cultivador de pesetas, pessoa que deserta para o inimigo. Que dizer de tantos
outros vendidos e renegados? O dinheiro e a (dita) profissão falam mais alto e
mais fundo! Haverá honra e honestidade em tantos dos casos conhecidos?
Na lista
dos jogadores mais caros encontramos: Neymar (222 milhões de euros), Pogba (105
m), Bale (100 m), Ronaldo (94 m) e Higuain (90 m)… e daí para baixo vemos um
role de vedetas em continua ebulição, trocando-se, sendo transacionadas como se
fossem mercadoria em feira de vaidades e com muita esperteza à mistura… por
aqui deambulam empresários, presidentes de clubes, fornecedores de material
desportivo, merchandising e claques, estádios e centros de treino, canais
televisivos e jornais, sócios e adeptos… e tudo o resto que gravita em volta
deste mundo que, por ser tão complexo, pode servir para lavar dinheiro, inventar
e vencer eleições… e, sobretudo, entreter, manipular e enganar o povo, que,
enquanto vive essas coisas, não vê nem está atento a quem o governa mais ou
menos de forma ganhadora…
= Nos
últimos tempos temos vindo a ser confrontados com problemas de cariz tributário
por parte dos jogadores e de seus agentes. Uns parece que têm fugido aos
impostos, não do seu trabalho direto no campo desportivo, mas tendo em conta
outras áreas por onde vão ganhando uns cobres, tanto ou maiores do que os
auferidos na disputa da bola com os adversários… tais como: uso de imagem,
serviços de publicidade… promoções, campanhas e adereços de comercialização.
Pelos
valores envolvidos – dá a impressão que em certos países tentam captar
sobretudo os estrangeiros mais famosos e rentáveis – podemos perceber que o
pagamento das multas será um das formas de angariar fundos para as finanças e de
dar a impressão que poucos escapam ao controlo…Não deixa de ser preocupante o
circo montado para dar cobertura aos faltosos, pois uma simples inquirição
transforma-se num espetáculo mediático sem pejo nem critério… Por aqui se vê a
força do submundo do futebol, distraindo do essencial e concentrando as
atenções na espuma doutros factos humanos e sociais.
= Mesmo
de forma despretensiosa questionamos: onde está em tudo isto o desporto? A quem
interessa polarizar as atenções no luxo que gera e não no lixo que fomenta?
Porque temos de ser intoxicados com este produto informativo, quando há tantas
outras questões a necessitarem de reflexão?
Daqui a
alguns anos seremos condenados – como fizeram outros para com a escravatura
passada – pelo silêncio cúmplice com que temos tratado este assunto… tão
rendoso economicamente!
António Sílvio Couto
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