Vivemos
num tempo em que nem sempre a congruência é o melhor lema de vida. Uma boa
parte das pessoas é, no mínimo, ilógica, pois combate umas coisas e logo, na
curva mais próxima, desdiz-se, praticando o que antes contestava.
Fique
claro e distinto: não sou a favor nem contra as corridas e largadas de toiros.
Respeito quem tal cultiva, seja porque faz parte da sua cultura, seja porque se
possa sentir necessitado de tal afirmação social.
É
verdade que, nos tempos mais recentes, os dados apontam para uma diminuição do
número geral das corridas de toiros, notando-se a sua realização, sobretudo,
nas terras ribatejanas e nalgumas localidades alentejanas.
Recordo
uma conversa de café em que alguém menos bem entrosado nestas coisas das lides
tauromáquicas perguntou: aqui, quando são as touradas? Ao que o interlocutor
ripostou: cá há corridas, touradas só se for na sua casa!
Esta
subtileza de linguagem dá a entender que esta coisa de andarem a contestar as
‘corridas/touradas’ pode nem sempre ser tão límpido como se possa imaginar.
Que
dizer de forças partidárias que se coligam para atos eleitorais, mas que
defendem coisas tão díspares nas suas entranhas em assuntos como este? Será por
conveniência ou por camuflagem em assumirem as suas posições contra as corridas
de toiros? A quem interessa enganar com aglutinados ideológicos, que não passam
de composições de circunstância e que não afetam realmente o mais pragmático da
vida?
=
Tipificação de certas discussões sobre as touradas/corridas de toiros é poderem
ser feitas à volta duma mesa, saboreando caracóis. Ora, se atendermos à forma
de confeção destes ‘moluscos gastrópodes terrestres de concha espiralada
calcária’, serão tudo menos bem tratados, pois são cozinhados vivos e em lume
brando… assim dizem as receitas para quem desejar confecioná-los.
Não
haverá algo que se torna um tanto risível perceber que as malfeitorias dadas
aos caracóis são irreversíveis, mesmo que as infligidas aos toiros possam vir a
ser fatais? Será que é devido ao tamanho dos intervenientes que as posições se
tornam tão diversificadas? Não estaremos, mais uma vez, a tentar confundir
incautos, pela simples motivação de que razões culturais se possam atropelar
com os desejos dos defensores/detratores?
Tal como
supra referi que nada me move a favor ou contra as touradas/corridas, assim
fique anotado que nunca comi nem pretendo experimentar comer caracóis… Em ambos
os casos considero-me fora de lutas ou de degustações, tomando estas posições,
faço-o por respeito cultural e gastronómico mais básico.
Que
dizer ainda dos que apreciam lagosta: esta é cozinhada também viva e sob fogo
bem mais acutilante dos que as farpas das corridas de toiros. Também aqui
poucos filosofam sobre a tortura perpetrada contra tais crustáceos, pois lhe
apensam estatuto económico e social, ao menos na visão dos que a tais requintes
não têm facilmente acesso…
=
Digamos: há, no contexto cultural, sociológico ou económico em que nos movemos,
uma razoável diversidade de situações e de questões que não se resolvem com
posições de estar a favor ou contra, desde que isso possa ser aproveitado por
alguns mais inflamados para a luta ideológica mais primária.
É certo
que temos vindo a evoluir sobre alguns problemas de natureza humana mais
essencial. No entanto, pululam por aí algumas incongruências bastante subtis:
vermos os mesmos defensores da abolição das touradas/corridas a considerar o
aborto como algo aceitável e recomendável, tanto na teoria como na prática. Não
estaremos em campos diferentes na cultura da vida? Não andaremos a tentar
resolver problemas individuais com regras generalistas? Não haverá confusão de
planos ou essa turbulência torna-se razoável desde que se misturem
propositadamente os valores em causa ou em risco?
Defendo
que os valores culturais são respeitáveis e que podem e devem ser cuidados, na
medida da nossa capacidade de compreensão. No entanto, nunca poderemos perder
de vista que o nuclear da nossa cultura é a pessoa humana, tudo o que a possa
ofender deve ser rejeitado. Será que cada um se respeita a si mesmo?
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário