Dizia-me
um padre já bastante idoso – morreu nonagenário e foi pároco até depois dos
oitenta anos numa das paróquias mais extensas da diocese de Setúbal – que se
queria saber diante de quem estava, numa assembleia reunida em razão dalgum
sacramento ou sacramental, bastava-lhe estar atento à forma como as pessoas se
benziam, logo no início… aquilo era o termómetro.
Recorro
com alguma subtileza a este critério ‘pastoral’, sobretudo quando estou na
presença de pessoas que vem celebrar o batismo e isso me leva a perceber, desde
logo, que o melhor a fazer é explicar – com gestos e observações simples – o
significado do benzer-se e qual a relação com o batismo.
Disso
passarei a deixar por escrito esta breve condução de algo tão básico quanto
essencial… Dar-me-ei por satisfeito se mais aqueles aprenderem correta e
significativamente a correlação do benzer-se assumido com o batismo
comprometido, num verdadeiro ato de fé pessoal e comunitário.
= Desde
logo reparemos no gesto que faz uso do sinal em forma de cruz, enquanto traçado
desde a cabeça até aos ombros, passando por sobre o tronco: a cruz – o
cruzamento entre o que vem do alto e a condição horizontal, isto é, o mistério
da encarnação, Jesus o Verbo encarnado e redentor, e a nossa condição fraterna
e em caridade, que nos leva uns aos outros a estarmos em sintonia de vivências.
Quantas vezes vemos serem feitas tais garatujas que ficamos sem saber em que é
que cada um acredita ou qual o objetivo de tais (quase) simulações! Ao vermos
certos jogadores de futebol a fazerem tais gestos fico com a sensação de que
algo lhes vai na alma, mas que não se exprime lá muito bem na representação!
Por vezes a assunção duma certa fé cristã pode tornar-se boa oportunidade de
evangelização, mas devia ser bem feita e com sentido apropriado!
=
Usamos, ao benzer-nos, as mesmas palavras que são proferidas no ato de batizar.
Por isso, sempre que dizemos, rezando: ‘em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo’, estamos a ir à fonte batismal, naquilo que isto tem de essencial e
refontalizador, tanto da nossa fé quanto da nossa condição de vida cristã.
Algumas vezes, quando as crianças já são um tanto capazes de entender,
perguntamos-lhes se já sabem comer com os utensílios adequados (faca, garfo,
colher, etc.) e quem foi que lhes ensinou a manusear tais instrumentos… ao que
respondem, normalmente, que foram os pais… assim, lhes dizemos que estes devem
ensiná-los a benzer-se, ao menos, de manhã e à noite…
Devemos
atender que na invocação das Pessoas da Santíssima Trindade não as estamos a
enumerar, colocando a vírgula entre a primeira e a segunda, mas a coordenar,
isto é, dizemos entre as três pessoas divinas ‘e’, numa conjugação de
singularidade entre ‘o Pai e o Filho e o Espírito Santo’, fazendo-o numa
atitude de invocação e de evocação, isto é, de invocação sobre nós mesmos das
Pessoas trinitárias e de evocação desse momento do batismo em que tais palavras
foram proferidas especificamente pela primeira vez sobre cada um de nós.
=
Vejamos os gestos e a sua coordenação com as Pessoas divinas, envolvendo três
das grandes componentes (faculdades) da pessoa humana – pensar, querer e amar:
* ‘em
nome do Pai’ e tocamos com a mão direita sobre a cabeça – com isso estamos a
entregar e a submeter a nossa inteligência a Deus que é Pai: n’Ele, por Ele e
com Ele queremos que tudo quanto pensamos – agora, no passado ou no futuro –
possa ser de Deus e para Deus. Quantos pensamentos, memórias e desejos podem e
devem ser entregues a Deus de cuja paternidade somos e vivemos como filhos…
* ‘e do
Filho’ e fazemos descer a mão por sobre o tronco até à altura do umbigo,
envolvendo exteriormente todo o aparelho digestivo, com os órgãos que lhe estão
adstritos, numa ligação ao sistema volitivo mais alargado e com incidência
nalguns dos reguladores do nosso corpo, como fígado, rins… Tal como Jesus, o
Filho, fez sempre a vontade do Pai, assim cada um de nós quer fazer a vontade
de Deus, hoje.
* ‘e do
Espírito Santo’, traçando dum para outro dos ombros o sinal horizontal da cruz,
passando por sobre o coração, colocamo-nos na entrega ao Deus de amor,
manifestado no e pelo Espírito Santo, para vivermos o amor de Deus… de forma
simples e comprometida.
António Sílvio Couto
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