Em França continua a ser ‘lei’ um tácito princípio que raramente não se
exprime: é proibido proibir… Isso mesmo se verificou na questão do burquini,
uma espécie de fato-de-banho feminino, que alguns autarcas de zonas balneares
francesas do sul proibiram o uso, mas que o conselho de Estado não concedeu que
fosse considerado motivo de proibição, pois ofendia a igualdade de direitos de
todos os cidadãos – no caso as cidadãs – perante a lei geral francesa…
A discussão que se gerou à volta do uso ou não do burquini pode reduzir-se,
genericamente, a duas perspetivas: uma que reclama da ofensa às liberdades
individuais e outra que pretende afirmar o laicismo do estado… na medida em que
o burquini, sendo usado em público pelas islamitas, poderia ser visto como ‘um
símbolo da escravidão das mulheres’ seguidoras do islão…
Deixando a questão do pretenso fato-de-banho feminino, o burquini pode
colocar questões mais simples do que um mero tema religioso-cultural. Que dizer,
então, do fato dos surfistas: só lhe falta a touca para ter muitas semelhanças
com o burquini: será uma coincidência ou faz-se problema com assuntos de
natureza confessional? Será que esta espécie de islamofobia não trará mais
confusão e radicalismo em forças fundamentalistas… dentro e for da Europa?
= Acreditando que o bom-senso há de ganhar nesta como noutras lutas,
deixamos agora algumas considerações sobre o ‘proibido proibir’ tão francês e
as suas ramificações na cultura ocidental.
De vez em quando França volta a tentar que seja proibido proibir. Assim foi
no maio de 1968, assim tem acontecido quando se tentou fazer essa espécie de miscigenação
cultural dos vários povos que foram ‘invadindo’ o país desde os finais da
segunda guerra mundial e de que agora se está a colher (mais visivelmente) os
frutos. À queda do cristianismo em França e na Europa em geral vemos crescerem
múltiplas manifestações religiosas e culturais imbuídas doutras religiões e com
implicações culturais, sociais, humanas e até desportivas… Vejam-se as equipas francesas
dos vários desportos: quantos atletas com origem procedente de várias colónias
francesas ou descendentes de emigrantes… onde os apelidos não conseguem
disfarças as raízes. Com efeito, a situação francesa é bastante reveladora da
realidade social de tantos outros países… Se o é nas causas, sê-lo-á nas
consequências. Por isso, se por lá vemos certos fenómenos mais ou menos
subversivos, temos de estar preparados para os vivermos por cá a muito curto
prazo!
= De facto, vivemos cada vez mais numa sociedade onde ‘é proibido proibir’,
logo desde a mais tenra idade. A educação tem vindo a fazer das crianças
pequenos ditadores, aos quais pouco ou nada se pode contrariar. Se isto se vai
verificando na pedagogia, podemos ver idêntica vivência na condução da
sociedade. Quem ousa contrariar ou contraditar seja quem for? Vemos crescer
numa razoável escala uma espécie de intolerância à tolerância, pois se pretende
que se seja o mais possível compreensivo para com o ‘eu’ e suficientemente
exigente para com o ‘tu’… numa difícil conjugação do ‘nós’. Com que facilidade
vemos medrar na nossa sociedade um ambiente onde quase tudo vale, desde seja
para benefício dum ‘eu’ crescentemente egoísta e centrado nos seus próprios interesses
ou desejos…
= Temos de ser capazes de recentrar a nossa vida nas exigências de
verdadeira e autêntica liberdade do Evangelho de Jesus Cristo, pois só n’Ele e
por Ele podemos conhecer e reconhecer, aceitar e renovar, entender e discernir
o que, em nós e à nossa volta, há de menos cristão ou mais pagão, seja nas
ideias, seja no comportamento. Com efeito, só na luz do Espírito Santo podemos
ser acusados dos nossos próprios erros, acolhendo essa denúncia na voz da
consciência, sempre aferida aos valores do Evangelho e na condução sincera e
humilde duns pelos outros… como irmãos.
Talvez nem sempre o ‘é proibido proibir’ seja cristão, na medida em que
podemos antes inchar de orgulho e de vaidade, não deixando que possamos ser
corrigidos nas pequenas como nas grandes coisas. O esforço da conversão continua
a ser uma graça de Deus misericordioso e bom!
António
Sílvio Couto
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