Em muitas circunstâncias vemos a ser feito um role de agradecimentos –
muitos deles quase que fazendo pairar mais a adulação – as pessoas e entidades
que participaram nalguma iniciativa mais ou menos pública ou publicitada…
Quantas vezes por entre os vários citados em agradecimento há pessoas que
só fizeram o que deviam fazer, isto é, por obrigação das funções ou dos espaços
– públicos ou do setor privado – que ocupam. Neste aspeto agradecer poderá não
ser mais do que uma mera redundância quase retórica, pois se se faz o que se
deve que merecimento se pode exigir…
Noutras situações como que vemos ainda serem dadas como atitudes de
agradecimento aquilo que deveria ser cultivado como bom, necessário e
suficiente exercício do dever cumprido. Há momentos em que, quem não criar
dificuldades, já estará a ser uma boa ajuda. Será que se lhe deve agradecer, se
mais não fez do que situar-se na normalidade do que deve ser uma boa
articulação com o que pode e deve ser feito…em benefício do bem comum!
Há, no entanto, ocasiões em que nem sempre o estar a agradecer significa
ser grato, pois poderá envolver uma pretensão de querer fazer esquecer os
antecessores e como que colhendo louros daquilo para o qual pouco ou nada se
teve de intervenção, mas que fazendo agradecimentos de lisonja como que se
pretende fazer obnubilar o que antes se fez talvez até melhor…
- Quantas vezes vemos, sobretudo, nas mudanças em paróquias, que, quem
chega, como que pretender fazer esquecer – pelo esquecimento ou até pelo
melindre – quem antes tentou construir – sabe-se lá com que dificuldade e
sofrimento – o que é passado em testemunho… Na simbiose de fé nada é começado
do zero e todos temos uma história que deve ser respeitada… humilde e
sinceramente. Não podemos ficar presos à nossa impressão, mas temos de saber
continuar a tecer os elos dessa grande cadeia de comunhão e de vida! Aqui como
noutros aspetos o vedetismo costuma deixar rastilho de má fogueira… em
extinção.
- Quantas vezes encontramos uns certos ‘salvadores’ inchados de messianismo
barato que tentam fazer crer que só quem com eles é que caminha e se está certo
do rumo traçado. Se ainda vamos nesta onda bem depressa ficaremos nas bordas da
derrota e muitos vencidos iremos conquistar para uma batalha onde todos saímos
a perder. Se não conseguimos perceber a força da convicção na verdade, iremos
deixar os locais por onde passamos mais e mais tristes e sem esperança.
- Quantas vezes nos falta a admiração e estupor pelo que Deus faz através
dos outros, pois, quase nada está, de verdade, completo, embora ainda muito
pouco possa haver a inovar. Se todos fossemos mais aprendizes do recomeçar a
caminhada e menos ensinadores do pouco que sabemos, teríamos sempre uma maior
capacidade de estarmos atentos àquilo que os outros nos fazem conhecer pela
partilha e a sinceridade. Ora, muito para além do princípio de ‘deixarmos o
mundo um pouco melhor do que o encontramos’, precisamos de ir aprendendo a
crescer pelas mãos uns dos outros, seja qual for a sua cultura ou a idade…
= Ser grato é ter memória para com quem nos antecedeu, sabendo olhar com
simplicidade quem Deus põe no nosso caminho e estando sempre atento aos mais
diversos sinais com que Deus nos fala agora e no futuro.
A gratidão não se forja nem inventa, mas antes se exercita em cada dia,
dizendo continuamente: ‘obrigado’, desde os gestos mais simples até aos mais
complexos e difíceis. Assim iremos aprendendo a saber discernir se aquilo que
nos agradecem é verdadeiro ou se soa a oco e disfarçado.
Os mais significativos momentos de gratidão acrisolam-se nos meandros da
nossa convivência em normalidade de vida, tendo a família como o principal
laboratório dessa vivência honesta, desprendida e altruísta.
Hoje quero ser grato para todos quantos me ajudaram a crescer ao longo da
vida, lamentando quem possa ter desejado que lhe agradecesse como pretendia,
mas que não teve essa dita… Grato sim; engraxador, não!
António
Sílvio Couto
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