Um
atleta alemão do triatlo, sofreu um furo na bicicleta, enquanto participava numa
prova em Lisboa, recentemente. O atleta tinha duas soluções: ou desistia ou,
como fez, corria descalço durante dez quilómetros que faltavam com a bicicleta
ao lado… e as sapatilhas da prova de ciclismo (adequadas só à bicicleta) penduradas…
Enquanto corria referiu: ‘nunca te desvies do caminho só porque algo não correu
como planeaste. Tens de te manter forte, concentrar-te nas razões pelas quais
corres. E fazer o melhor que puderes. Só me restam oito quilómetros e aí sim,
poderei calçar as minhas sapatilhas’.
Não
sabemos em que lugar ficou, no final, da prova, mas o acontecimento está a
percorrer mundo e as palavras/imagens – como agora se diz – tornaram-se virais…
= Como
poderemos interpretar o que foi dito, inserido, particularmente, no contexto em
que foi feito? Que lições comportam esta atitude deste atleta? Como foi
possível dizer com tanta nitidez o que foi citado, estando em prova e sob
pressão?
Desde
logo se nota uma presença de espírito e de reflexão que espanta, pois uma parte
significativa de nós ficaria transtornado com um episódio inesperado e pouco
diria com nexo e racionalidade. Isto que foi feito denota uma preparação
psicológica excecional e de superior qualidade, tanto na forma como no
conteúdo. Dir-se-á que mais do que o valor atlético, podemos encontrar uma
fibra de valor humano muito grande e acrisolada no treino e nas provas já
prestadas.
= Num
tempo tão ávido de protagonistas – numa maior parte são-no pelo facilitismo e pela
vulgaridade – podemos ver neste atleta alemão algo dum espírito, seja daquela
nação, seja da complexidade com que vivemos, por agora, na Europa. Por vezes,
nota-se – sobretudo nos países latinos e do sul do continente – uma certa
superficialidade em compreendermos as atitudes e vivências do norte da Europa.
É um facto, que somos diferentes e que muito daquilo que estamos a colher – nos
vários âmbitos humanos sociais, económicos, políticos e até morais – são
resultado duma mentalidade que se foi aprimorando com a capacidade de sabermos
enfrentar as dificuldades pessoais e coletivas. Na maior parte dos países do
sul da Europa não tivemos de unir-nos para recuperarmos dos estilhaços da
segunda guerra mundial, enquanto os do norte lutaram para terem o nível humano
que se lhes reconhece… Ainda hoje continuamos a viver numa espécie de preguiça
social, mais ou menos lânguida do sol e da pacatez das nossas terras, que até vão
produzindo sem termos de trabalhar muito…
Somos,
efetivamente, herdeiros do epicurismo – ‘carpe die, sape vinem’ (vive o dia a
dia e saboreia o vinho) – dos romanos e com alguma tolerância de vida queremos
ter sucesso, se possível, sem muito trabalho… que implica esforço, persistência
e sacrifício. Isso mesmo é revelado na pretensão em termos um (dito)
Estado-social, onde este cuida das nossas carências, mas nós pouco ou nada
contribuímos para que se enriqueça o bem comum. Tentemos olhar para a catrefada
de feriados com que vivemos – ainda mais se aliados às pretensas ‘pontes’ – e
como até os desvirtuamos na origem para que foram instituídos. Viu-se isso no
mais recente do ‘Corpo de Deus’, que muito poucos usaram para a marca que lhe
está adstrita, a de ‘dia santo’ católico.
Dizem
que, nalguns países do norte da Europa, também foram retirados – em momentos de
maior contenção económica – alguns feriados, mas que não foram logo repostos,
quando essa razão mudou. Lá continuam a trabalhar e nós, por cá, bastou um leve
aceno de recuperação – que brevemente será contrariada com factos e medidas de nova
e acentuada crise – para entrarmos nessa distribuição de favores e prebendas.
Veremos até quando!
Temos de
mudar de mentalidade: não se enriquece de forma honesta sem trabalho. Não
podemos continuar a querer viver como ricos, quando não passamos duns tesos
perfumados e vaidosos endividados. Basta de tentarem enganar-nos com pão e
jogos…fornecidos ao desbarato e sem mérito. Os romanos caíram com essa
presunção e petulância! E nós teremos idêntico futuro…brevemente. Sejamos
realistas!
António Sílvio Couto
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