Por estes dias o regime
comunista da China – reinante desde 1949 – deu por terminado o decreto, que
desde o final da década de 90 do século passado, exigia a cada casal que
tivesse só um filho (preferencialmente rapaz), pondo, assim, termo a uma
intromissão estatal na vida das famílias chinesas…com resultados que já se
revelam catastróficos e difíceis de socialmente serem geridos…
Ora, se observarmos o que
aconteceu, em Portugal, mais ou menos desde essa ocasião histórica, como que
temos vivido uma espécie de ‘regime de filho-único’ não decretado, mas
tacitamente assumido, promovido e desejado!
Vemos – enquanto nos
queremos inserir numa visão cristã das questões – esta atitude por razões
variadas, envolvendo motivações mais ou menos egoístas e de acentuado teor de
bem-estar camuflado de cinismo nem sempre assumido.
Porque o assunto é
demasiado sério e pode até envolver questões do foro moral, teremos de
solicitar compreensão para com quem não teve a experiência de ter mais
irmãos/ãs e de não saber o que é isso de ter de repartir o que não se tem em
questões materiais, mas que são colmatadas com outras vivências de ter mais
irmãos/ãs com quem se possa brincar e até se pode ter brigas de criança…mas que
fazem crescer em tantos aspetos de partilha… sincera e genuína.
= Reizinhos, ditadores e protegidos
Não será necessário ter uma
grande perspicácia psicológica – pois a formação na escola da vida dá sabedoria
e competências – para percebermos, desde o jardim-de-infância, quem são as
crianças ‘filhas-únicas’. Com efeito, há tiques de protagonismo que não
conseguem disfarçar o berço de onde se vem. Nalguns casos se nota algum
enfezamento de capacidade em saber repartir os meros brinquedos, quanto mais
não será um certo centralismo em tentar chamar a atenção… consciente ou
inconscientemente.
Se muitos pais e mães não
souberem distinguir o essencial do secundário terão imensos problemas, pois o
demasiado óbvio pode tornar-se um problema de enquadramento de questões até
fúteis…mas, se empoladas, criarão dificuldades à socialização dos seus ‘reizinhos’
de pés de barro, isto é, que pensam ser importantes, mas que não o são, tanto
quanto julgam… Com que facilidade vemos – mesmo nos espaços públicos – crianças
a fazerem birras, a chorar e mesmo a gritar quando são contrariadas em
situações mínimas. Se é esse o espetáculo na rua, o que não será em casa!...
Deste modo vamos adulando pequenos ditadores que, mais tarde ou mais cedo,
farão dos pais servidores dos seus amuos e lamentos.
Será digno de registo que
uma coisa é cuidar da proteção aos filhos/as, outra muito distinta é ser
protecionista, não deixando as crianças sujarem-se nem magoarem-se porque podem
correr perigo… Sim o perigo será não deixar que as crianças brinquem e façam as
suas tropelias – segundo a sua idade – pois nunca aprenderão a autonomizar-se e
a defenderem-se…
Com todo o devido
respeito parece ridículo o protecionismo que vemos por parte de muitos
pais/mães e outros tantos como avós, quando está na hora de sair da escola
primária… Não é desta forma obsessiva que se consegue que as crianças cresçam…
Elas não precisam que façam por tudo por elas… Há pequenas tarefas – como o
simples carregar da mochila – que podem ser assumidas com responsabilidade… sem
tanta infantilização!
= Agora que certos
regimes autoritários vão deixando cair a máscara do protecionismo estatal,
cremos que está na hora de fazermos algo mais do que reduzirmos a vida à
renovação da espécie – para isso cada casal teria de ter, ao menos, dois
filhos/as…o que nem sempre tem acontecido no nosso país – mas temos de criar
condições para uma sociedade mais equilibrada e adulta, gerando novas etapas de
valorização da convivência humana e de salvaguarda até da sobrevivência dos
vindouros.
Aos cristãos está acometida
uma tarefa de responsabilidade maior, pois se guiam pelos valores da vida, da
ética e mesmo da paternidade/maternidade responsabilizada e responsabilizadora.
Será que queremos deixar de ser (só) religiosos/as para sermos construtores
duma sociedade justa, fraterna, solidária e com futuro?
António Sílvio Couto
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