Aconteceu nos EUA, na
semana passada, uma noiva, cujo casamento foi cancelado pelo noivo dias antes,
ofereceu o conteúdo da refeição a mais de uma centena de sem-abrigo da cidade…
de Sacramento. Os cerca de trinta e um mil euros já pagos de caução para a boda
foram encaminhados para pessoas idosas e solitárias e ainda famílias que
estavam a passar por dificuldades…
Interessante foi ler os
comentários colocados na sequência da notícia. Houve quem agradecesse aquele
gesto de solidariedade… quem desejasse que a noiva ‘suspensa’ possa encontrar
quem a mereça… quem sentisse que uma derrota assim há de reverter em vitória!
= Não quero nem posso fazer
qualquer julgamento sobre aquele ato de alguém, a menos de uma semana, ter
deixado a noiva sem casamento. Quantos haveria que podiam (ou deviam) ter igual
força, mas outros valores se elevam ou rebaixam!...
No entanto, neste nosso
mundo, há tantas situações a exigir reflexão que certos factos só não nos
comovem porque andamos demasiado ocupados com múltiplas futilidades, que nem
conseguimos questionar a nossa negligência e falta de atenção aos outros…
Vive-se numa razoável vulgaridade da espuma dos acontecimentos e os factos de
verdade não deixam, facilmente, marca na consciência e no comportamento, seja
no questionamento pessoal, seja na abrangência dos problemas sérios e não das
distrações de insensibilidade aos outros.
Uma das vertentes mais
claras do afundamento da família – como valor humano ou como realidade social –
é o do abandono da presença de Deus na cultura familiar. Mesmo que iniciado
através do matrimónio nem sempre é notório que Deus conte como Alguém de
referência, seja nas palavras, seja nas vivências dos momentos comuns do
contexto familiar. Isto para não falar da quase total ausência do tempo de
oração da família. Poderá acontecer que cada um reze pela sua parte, mas poderá
faltar a oração comum como expressão da mesma família. Note-se como a
participação na missa dominical – sobretudo paroquial – nem sempre é cultivada
como algo identitário da família e da sua manifestação comunitária.
= Outra frase que
poderemos citar neste tema da família é a da relação, do compromisso e da
estabilidade das pessoas. Lembramos aquele casal de velhos a quem perguntaram o
segredo para se manterem casados tanto tempo, ao que um deles respondeu: ‘no
nosso tempo, quando alguma coisa se partia, consertava-se e não se deitava logo
fora, como hoje’. Com efeito, a fragilidade das relações emocionais/afetivas
das pessoas é hoje notória, desde as questões mais complexas até às mais
simples e quotidianas. Parece que as pessoas se tratam como se fossem elas
mesmas algo de descartável: valem e gosta-se até quando se descobrem defeitos e
se detetam falhas… custa muito ver e deixar-se aceitar nas fases de menor
brilho e de menos boa atração… tanto ao nível humano como psicológico. E na
dimensão espiritual algo haverá a que se atenda? Talvez não, pois não há tempo
nem preparação para entender os outros para além do meramente visível…
Como nos vem, repetidas
vezes, dizendo o Papa Francisco, vivemos numa cultura do descartável sem tempo
nem espaço para atender aos cuidados que os outros possam necessitar… tudo
corre bem até que não caía a máscara da boa figura e mesmo de ‘boa pessoa’, na
medida em que não conseguiremos disfarçar sempre e com todos…
O Sínodo dos Bispos, em
Roma, não terá tratado destas temáticas relacionadas com a família, mas nós
podemos e devemos abordar estas simples questões, que nos ajudarão a
compreender a doutrina e outros problemas mais complexos… Na base da família
está a educação humana e cultural, cívica e espiritual, que se bebe desde o berço!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário