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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A vida é muito mais do que um jogo

 

Meia-volta ouvimos usar expressões como estas – estão a fazer do programa (televisivo ou outro) um jogo, estão a jogar, o jogo da política, as jogadas de bastidores, quem não joga não ganha… Mas será a vida um mero jogo, onde uns ganham e outros perdem? Quem traça as regras desse jogo? A quem interessa fazer da vida uma espécie de jogo de sorte-e-de-azar? No pretenso ‘jogo da vida’ por que há quem viva no gozo (pela ridicularização alheia) e outros a serem achincalhados? Não haverá limites à provocação humorística de certas figuras? A padronização seguida nestes comportamentos não nos fará a todos perder neste jogo com regras inquinadas?

1. Tentemos explicar o sentido etimológico da palavra ‘jogo’. A palavra jogo é originária do latim: iocus, iocare e significa brinquedo, folguedo, divertimento, passatempo sujeito a regras, ou até mesmo uma série de coisas que formam uma coleção. Por vezes, para falar de ‘jogo’ é também usada a palavra ‘ludus’ no significado de divertimento, distração… Se atendermos à consonância entre os dois termos como que podemos questionar que jogo é esse que fazemos – ou que querem que façamos – se mais na intenção de brincar, se na pretensão de divertir, ou ainda se o jogo faz com que cada interveniente seja uma pessoa ou bastará fazer-de-conta que se está do outro lado da barreira como opositor, seja qual for o resultado… Quase se nota que há uns tantos que acham que manobram os cordelinhos do jogo para usarem os outros como marionetas de feira, disso quase estou convicto e, desgraçadamente, sou levado a aceitar as jogadas…

2. Na promoção das vaidades em circuito fechado podemos considerar que diversas ‘personalidades’ desenrolam a sua vida em volta de fazerem jogo, colocando-se em vários tabuleiros naquilo que a vida lhes permite exibir. O pior de tudo é que este clima de quase impunidade do ‘salve-se-quem-puder’ atinge todos os campos e áreas de presença humana, mesmo no âmbito eclesial e eclesiástico: quantos fazem o jogo de quem está no poder, por forma a flutuarem até atingirem a ‘consagração final’.

3. Aquilo que vemos nos enredos – mesquinhos, torpes e soezes – dos programas televisivos é passado a ato nos grandes como nos pequenos palcos. Com que facilidade se troca a sinceridade pela intriga, num piscar de olhos e sob a nossa impávida assistência. Com que velocidade se confundem interesses (tacanhos e intoleráveis) com desrespeito da lealdade mais básica. Com que atrocidade somos confrontados com pessoas que trocam o dito-por-não-dito na destreza de um clicar no telemóvel, mesmo sob as barbas do parceiro, senão mesmo do companheiro de vida.

4. Mesmo que haja (ou passa haver) várias formas de jogos, nada é mais sagrado do que as pessoas que Deus põe no nosso caminho, seja de forma prevista, de modo impensável, nas circunstâncias normais, seja nos espaços diferentes e diferenciados da nossa história pessoal, familiar ou em contexto social. São as pessoas que merecem respeito muito para além das formas mais ou menos complexas de entrarem nos múltiplos jogos, sem nunca por nunca nos viciarmos em matéria de jogos de fortuna/azar. Estes, normalmente, trazem a desgraça a quem compactua com tais tentáculos da perversidade. Quantas pessoas se tornaram infelizes e àqueles que os rodeavam, quando se deixaram enlear por resultados rápidos e sem trabalho. Com efeito, só no dicionário é que sucesso aparece antes de trabalho. Por isso, é avisado que temos de viver sem contar com a herança do defunto ou pior não sabendo investir naquilo que é fruto do esforço de cada um.

5. No esquadrinhar da vida será importante reger-se por valores para que possamos ter critérios de conduta, respeitando e sendo respeitados mais por aquilo que se é do que pelo que se diz. Recordo sobre este assunto aquilo que dizia, em 1975, o Papa Paulo VI, na encíclica ‘Evangelii nuntiandi’ sobre a evangelização no mundo contemporâneo: «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas» (n.º 41). Seremos?



António Sílvio Couto

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