Surgiu no Instagram, alegando tratar-se do restaurante número 1 de Austin (com a designação de ‘Ethos’), nos EUA. Com fotos surpreendentes de pratos de comida, rapidamente ganhou fãs nas redes sociais, onde já conta com mais de 75 mil seguidores. O espaço conta até com um site e com um separador para poder realizar reservas. Porém, tudo isso é falso. O restaurante não existe e o que é apresentado foi criado através da Inteligência Artificial.
1. Eis um exemplo à escala internacional daquilo que se faz valer do que não é: mostra-se, mas é manipulação; difunde-se, mas é ilusão; apresenta-se, mas gera confusão. Será este o caminho por onde vamos seguir no relacionamento de uns para com os outros? Estes pequenos sinais de instrumentalização da técnica sobre a condição humana não nos deveria colocar a todos de prevenção mais do que exaltação a roçar a ignorância? Certos tentáculos desta fase de novos desafios à nossa humanidade não deveriam ser tomados mais a sério do que ao encanto quase infantil de tantos responsáveis e mentores desta nova vaga tecnológica?
2. Recordo a breve estória que se conta de um pretenso cultivador das redes sociais. Tinha na sua listagem de ‘amigos’ e seguidores mais de meio milhar (será pouco ou muito?), mas na hora do velório, por ocasião do seu falecimento, não estava nem um… a sala estava vazia e ninguém apareceu para a despedida. Mesmo que subjetivamente pensemos que pelos muitos desses ‘amigos’, de verdade não contam na hora derradeira ou em momentos de maior dificuldade.
3. Por estes dias tive da fazer uma viagem de carro por terras que não conhecia. Eis que dei de chofre com a visão de um lavadouro no recanto de uma aldeia, tendo-me saído a observação: eis o antecessor histórico do facebook, isto é, da mesma forma agira se fala vida alheia assim se fazia no lavadouro e, se este era palco de contendas e disputas, assim, hoje, o tal facebook e as (ditas) redes sociais o são, só que naquele os adversários viam-se face a face, agora os inimigos digladiam-se no anonimato, sem rosto ou sob falso perfil…
4. Dá a impressão que esta onda de criação de fenómenos virtuais é mais uma das consequências da recente pandemia. Não esqueçamos que esta decorreu entre março de 2020 e maio de 2023, isto é, foi há pouco mais de um ano que a penumbra fatídica foi dada como controlada, o que não significa que tenha sido vencida. Por isso, estas notícias a roçar as ‘fake news’ são como que um prolongamento desse estado coletivo de ansiedade, não significando que tal subjetiva impressão tenha sido debelada ao nível das pessoas. Quantos medos – ainda que inconscientes – pululam no nosso trato do dia-a-dia. Quantas sensações de insegurança proliferam nas palavras e nos comportamentos. Quantos tiques de menos boa resolução das questões deambulam por aí. Quantos fantasmas presumidos ainda assomam as nossas lembranças…
5. Precisamos de deixar que estas pequenas como as grandes questões decorrentes da dita pandemia sejam enquadradas na personalidade de cada um e mesmo naquilo que se designa – numa linguagem bíblica e religiosa – de ’personalidade coletiva’, essa que aglutina os valores, os comportamentos e as vivências de um povo. Isso que na identidade do povo bíblico fazia dele um ‘povo de Deus’, isto é, um povo amado e cuidado por Deus nos mais diferentes aspetos comunitários. Deste modo a ‘personalidade coletiva’ é mais do que a soma das partes individuais, mas também não é o ‘coletivo’ a que se referem certas forças de ideologia marxista. A força comunitária é marca do povo bíblico, tanto de um como de outro testamento.
6. Cristãmente somos credores de uma fé comunitária, que nasce e se alimenta da experiência de Jesus Ressuscitado, hoje como ontem. Infelizmente a pandemia fechou-nos mais do que nos abriu a esta dimensão comunitária. Que, por ocasião do ano Jubilar de 2025, sejamos capazes de unir esforços e forças para vivermos a esperança num tempo novo de Igreja, como Igreja e com a Igreja…em sinodalidade.
António Sílvio Couto
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