Em reação ao discurso do líder de um partido no final do congresso, o membro de um outro partido teve estas declarações: «para quem quer tirar amarras ideológicas, é profundamente ideológico ele próprio, quer do ponto de vista do que aparentemente se pretende fazer na disciplina de cidadania, mas também muito ideológico quando quer retomar o financiamento aos privados». Quem disse isto foi a ariete do partido que combateu – num outro governo há relativo pouco tempo – tudo quanto cheira-se a setor privado, conseguindo em muitas situações criar o caos na sobrevivência de bastantes estabelecimentos não-estatais de ensino/educação. A balbúrdia gerada foi, ao tempo, acompanhada pela execução de um programa de ‘cidadania’, esse sim bem ideológico de género e de feitio.
1. O que é e em que consiste a tal disciplina sobre a cidadania? Que âmbitos quer atingir? Qual a razão para ser proposta (ou será imposta)? «A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelas outras, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos. Os temas a lecionar no âmbito da Cidadania e Desenvolvimento organizam-se em três grupos, sendo o primeiro obrigatório para todos os níveis de escolaridade e compreendendo matérias como direitos humanos, igualdade de género, interculturalidade, desenvolvimento sustentável, educação ambiental e saúde. A disciplina aborda ainda temas como prevenção da violência, sexualidade, literacia e educação rodoviária».
2. Efetivamente nos tempos que correm vivemos num combate bem menos surdo do que parece pela imposição de certos sistemas de vida – pensamento e ética – onde se digladiam formas quase contraditórias de estar em sociedade e na criação de comportamentos: desde o ano letivo de 2017/2018 que tem vindo a ser implementada essa tal disciplina designada ‘cidadania e desenvolvimento’. Os items incluídos são diversos e, nalguns casos, podem ser controversos na forma e no conteúdo, mas grosso modo fica a sensação de que quem dirige as matérias – estado, governo ou docentes – pode entrar em conflito com os valores e critérios ético/morais de quem seja educando ou, na alusão mais profunda da palavra ‘aluno’, aquele é ‘iluminado ou alimentado’ com tais ensinos...
3. A questão essencial continua a ser: quem é que educa – a família ou a escola? Para muitos a escola deverá limitar-se a ministrar conhecimentos, logo ensina; enquanto a educação é tarefa da família e esta pode e deve ter critérios e valores que deseja passar para aqueles que gera, alimenta e cria. Se há famílias que exercem e vivem o seu papel de educadoras, outras como que descartam tais responsabilidades e aligeiram-nas, isto é, deixam-se substituir pela escola. Aqui entra a possibilidade ideológica de tornar a educação um veículo de transmissão de valores que podem estar fora ou contra o valores da família, sobretudo entendendo-a na conceção cristã.
Diz o Catecismo da Igreja Católica sobre a educação: «Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade, primeiro pela criação dum lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio, condições da verdadeira liberdade» (n.º 2223).
4. É preciso denunciar as pretensões de fazer da escola a ‘educadora das classes operárias’ (ou outras), como, por vezes, parece subentender-se na mente de certos legisladores. O regime criado pela ‘identidade de género’, é proposto, difundido e (porque não) propagandeado pela tal disciplina de ‘cidadania e desenvolvimento’. Por que se abespinham tanto alguns quando se põe em questão a tal disciplina? Por que querem impor uma visão unívoca da realidade, quando dizem defender a pluralidade? Haverá vencedores?
António Sílvio Couto
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