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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Da intriga à verborreia

 


Por estes dias vivenciei duas situações – díspares no espaço, no contexto e nas circunstâncias – que me fizeram reparar em aspetos bem mais enraizados na convivência humana do que tinha a consciência. Uma teve a ver com o ambiente de intriga (entre os professores) numa escola com cerca de mil alunos e outra uma ida ao barbeiro, onde o profissional que me falou todo o tempo, a propósito e a despropósito, não havendo qualquer hiato de silêncio.

1. Por razões quase de obrigação moral estive presente na tomada de posse de um diretor de um agrupamento de escolas na zona do vale do Sousa: numa tarde chuvosa (como essas que temos tido recentemente) percebi, nas conversas e mesmo nos olhares, algo que me foi explicado posteriormente. Para além da disputa entre as listas concorrentes, viveram à superfície intentos e intuitos bem menos dignos da capacidade de instrução dos intervenientes e, porque não, do seu nível cultural. Segundo me apercebi a luta pelo poder quase foi levada ao extremo numa confrontação exagerada. Não me guio só pelas observações de uma das partes envolvidas – a que ganhou – mas fez-me refletir sobre o quadro de valores de quem ensina e quis os resultados nos ensinados… Se isto é numa escola do interior o que será na disputa dos estabelecimentos de ensino das franjas dos centros urbanos ou mesmo nas escolas instaladas no tecido social das cidades… Quem ensina passará algo mais do que conhecimentos, mesmo os mais credíveis e científicos?

2. Por outro lado, a minha deslocação ao barbeiro – por sinal numa terra pequena e onde as pessoas se conhecem até pela alcunha – foi algo surreal: o senhor conseguiu fazer o seu trabalho (cerca de quarenta minutos) de cuidar dos cabelos sem nunca se calar, emendando as conversas com tal velocidade que cansava já de ouvir, pois entrar na conversa era coisa que estava posto fora de questão… Daqui percebei que há hoje muita gente que precisa de falar, seja porque vive mais só, seja porque a possibilidade de estar calado quase arrepia que disso tenha de vivenciar. Por vezes somos confrontados com situações que nos levam a refletir sobre o conteúdo daquilo que dizemos e o modo como fazemos as conversas. Com efeito, hoje, vemos que as pessoas deixaram de saber conversar, isto é, de dialogar, dado que isso implica dizer e ouvir, sem tentar manipular os assuntos ou a forma como as conversas são tratadas…O silêncio também fala!
3. Estes dois episódios ajudaram-me a tentar discernir o momento político – nacional e internacional – que podemos apreender nos tempos mais recentes. A intriga e a deslealdade não serão dois epítetos para interpretarmos as voltas e reviravoltas, os ditos e os desditos, as declarações e as insinuações, os avanços e os recuos de toda a discussão sobre o orçamento de estado para 2025 (OE 2025)? A verborreia, onde todos querem falar e quase nunca ouvir, não espelha o ambiente vivido nestes meses que antecederam a apresentação do OE 2025? Como pode alguém (de direita ou de esquerda) ser tomado a sério quando diz votar contra o OE, se ele ainda não existia? A quem interessa lançar estas cortinas de fumo ou tinta de polvo sobre os assuntos de todos, privilegiando alguns? Não perceberam tais mentores e executores que a verborreia não traz melhores ordenados nem enche o carro de compras? Neste vai-e-vem de troca de palavras não andaremos a desacreditar a forma mais sublime de comunicação entre os humanos, que a fala/linguagem?

4. Recordando a sublime arte da comunicação, urge reaprender com os erros que temos estado a praticar e a difundir. A ética da palavra vale mais do que todas as intenções – algumas boas e outras nefastas – desde que não contraditada pelos factos. Estes valem, embora seja preciso que os expliquemos com palavras simples, sinceras e sábias. Há quem fale demais e gere intriga. Há quem use de malícia no trato com os outros, por isso, sejamos dignos e credíveis das palavras que dizemos uns aos outros. Afinal, mudar o ambiente onde vivemos não depende dos outros, mas de cada um de nós, sendo sincero e leal…



António Sílvio Couto



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