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sábado, 26 de outubro de 2024

Ordem e liberdade – exclusão ou equilíbrio?

 


Os mais recentes distúrbios, desacatos, convulsões ou confusões, sobretudo, na dita área metropolitana de Lisboa trouxeram à luz do dia ou surgiram na noite numa espécie de leitura sobre as questões com duas palavras – ordem e liberdade – a primeira como afirmação da autoridade e a segunda como expressão de não-interferência nas escolhas individuais.

1. Segundo um professor universitário: «a extrema-direita lida muito bem com a palavra ordem e muito mal com a palavra liberdade. A extrema-esquerda e a esquerda radical lidam muito bem com a palavra liberdade e têm muita dificuldade com a palavra ordem». Embora possa ser uma leitura extremada dos factos, estes dois termos – entendidos nas diversas vertentes, mesmo na política – como que resumem com suficiente clareza o que temos visto, escutado e até sido provocados. O mesmo catedrático considera ainda que se deve distinguir entre ordem e segurança: «se a extrema-esquerda e a esquerda liberal, a esquerda radical, têm dificuldade em lidar com isso, com a palavra ordem, do outro lado do espetro, faz-se um apogeu da palavra ordem, mas a palavra não é apenas num sinónimo de segurança, é de imposição de modelo que acaba por ser um convite a regimes mais pró-ditatoriais, mais absolutistas»…

2. Será que ordem não se coaduna com liberdade e esta não se conjuga com aquela? Quem vive uma e outra tem de o fazer na exclusão ou na complementaridade e equilíbrio? Os atores de ambas as ideias precisam de abespinharem em vez de criarem sinergias de todos com todos? Não será que, certas proclamações sobre a liberdade, não incluindo a responsabilização, podem cair na libertinagem? O recurso abusivo à ordem como veículo da autoridade não poderá resvalar para o autoritarismo, como preâmbulo da ditadura? Muitos dos fautores e mentores de cada lado dos extremos não serão filhos da ‘revolução de abril’ burguesa, onde todos têm mais direitos do que obrigações? Os extremistas de um lado e do outro – da extrema-direita e da esquerda radical – alguma vez viveram nesses espaços que agora pretendem explorar em seu proveito?

3. Daquilo que fomos vendo a ser-nos servido em exagero sobre os distúrbios pelos diversos canais de comunicação podem ter favorecido a difusão dos desacatos noutros bairros para além daquele onde houve um incidente com a morte de um cidadão, ao que parece sob a arma de um polícia. Com efeito, muitos daqueles casos em cadeia trouxeram na penumbra da noite a revelação de problemas sociais, económicos e culturais mais profundos. Mas isso não acontece só nas franjas da capital, tantos outros casos pululam por esse país fora, sem capacidade de enfrentar e, na maior parte das situações, sem solução a curto prazo: há populações atiradas para fora da normalidade pela simples razão de que os (ditos) bairros sociais quase se limitaram a amontoar pessoas, mas não as fizeram crescer na assunção das suas aspirações. Por isso, basta uma pequena faísca de descontentamento e tudo se entorna…

4. É tempo de acabar com essa obsessão e/ou preconceito de que o povo português é racista. É tempo de retirar os óculos ideológicos dos extremistas e fazer ver o que a nossa história coletiva sempre fez pelo enquadramento da diversidade de povos e culturas, línguas e origens de outras latitudes. O espírito das descobertas está-nos no sangue mais simples, pois o processo de miscigenação de antanho continua na caraterizar a nossa abertura à diferença. Alguns mais puristas não conseguem perceber que, por muito que se pretendam alardear nas suas irracionais convicções, algo lhes passa ao largo e perderão o tempo a lutarem quixotescamente contra os seus moinhos de ventos enferrujados… Sempre a história soube enquadrar quem procurou melhores condições de vida, correndo os riscos inerentes à desinstalação…

5. Por muito que certas fações tentem ofuscar o papel do cristianismo, este sempre foi um baluarte de defesa da ordem pela liberdade e da liberdade na ordem, isto é, cada um assume a suas responsabilidades pessoais e comunitárias, que é muito para além das tendências coletivistas. Quem ficar fora deste processo não fará parte da História, hoje como ontem!



António Sílvio Couto

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