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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

‘Ter casa’ – direito, consequência ou obrigação?

 

Desde há uns anos a esta parte vimos emergir na panóplia de assuntos – políticos, sociais, económicos ou ideológicos – o tema da habitação, naquilo que pode ser referência a um direito (constitucional ou cívico), a uma consequência da maturidade humana e familiar ou até como obrigação mais dos outros do que do compromisso do próprio. Dado que este assunto anda nas deambulações de tantos dos responsáveis da nossa vida pública, familiar e pessoal, vamos lançar algumas pistas sobre a questão.

1. O que diz a constituição da república portuguesa sobre a questão? Devemos seguir os ditames da (dita) lei geral? O que nos faz empreender uma reflexão sobre o assunto, será que ele pode conter um engodo mais do que uma solução? Respigamos da constituição (artigo n.º 65):

«1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado: a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social; b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais; c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada; d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.

3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria».

Eis como o Estado, ao nível da lei nos seus princípios, pensa a habitação e o urbanismo.

2. Dizia-se em tempos, numa aportação eivada de conceitos religioso-cristãos: ‘quem casa quer casa!’ Ora, se hoje boa parte da população ignora o ‘casar’, como podemos conciliar isso com o ter casa? Será que o ‘ter casa’ se coaduna com o prolongamento até mais tarde – nalguns casos atingindo as quatro décadas de anos dos filhos – a viver na casa dos pais (progenitores ou outros)? De facto, temos de saber avaliar, com simplicidade e exigência, a relação da ‘geração canguru’ (os que vivem na bolsa marsupial) com a capacidade de todos enfrentarem a vida com verdade e responsabilidade. Efetivamente, muitos dos mais novos cresceram em instrução, mas não amadureceram na assunção das consequências da vida, nas pequenas como nas grandes coisas. Infelizmente vemos demasiadas pessoas com idade de assumirem as rédeas da vida a quase vegetarem sob a alçada dos pais (progenitores ou outros).

3. A proliferação de referências ao tema da habitação parece estar eivada de intenções nem sempre claras e objetivas. De facto, muitos dos reclamantes do ‘direito à habitação’ fazem-no sem criarem o mínimo de condições para que tal objetivo seja melindrado com o resto da vida e das suas regalias, pretensamente, exigidas. Conheço por razões de participação familiar que muitas pessoas fazem sacrifícios vários – durante anos – para conseguirem atingir o objetivo de ter casa própria: quantas privações e contas; quantas renúncias e condicionamentos; quantos tempos adiados de outras comodidades…

4. Ora, o que vemos em tantos dos que reclamam o direito a ter casa nem é para a adquirirem, mas tão somente para viverem gastando os recursos numa renda. Também aqui parece que continuamos a laborar num engano: gastam o dinheiro em algo que nunca será seu e desperdiçam a possibilidade de atingir uma meta que lhe possa dar estabilidade. Não haverá mais uma vez uma manipulação e um desmazelo sem capacidade de prever o futuro, antes olhando só para o presente sem perspetiva de melhor. Ter casa é um direito com obrigações e consequências com responsabilidade!



António Sílvio Couto

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