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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Jornalismo soprado ou de encomenda?

 


É impressionantemente atual é “estar com seis ou sete câmaras à frente e jornalistas com auricular onde lhes dizem as perguntas que estão a fazer ou com recurso ao telemóvel”. Esta recente observação do atual primeiro-ministro teve tanto de inusitada quanto de sintomática. De facto, não deixa de ser quase ridículo que vejamos boa parte dos que fazem perguntas – a esta entidade como a outros – tendo um auricular no ouvido, como se fossem os que perguntam meros tripés de microfone falante…

1. As declarações do governante foram alvo de reação daqueles a quem ele se dirigia. Repare-se que não considero dignos da profissão de jornalistas quem usa de tais estratagemas para se fazerem ouvir e serem respondidos. A boa parte deles chamo-os de ‘jornaleiros’, pois, mesmo que possam ter curso e carteira-profissional para o exercício de tal profissão servem mais um jornalismo soprado ou de encomenda do que de esclarecimento e de serviço àqueles a quem se destina o seu trabalho: o público e não as bolhas de recurso.

2. A intervenção do primeiro-ministro deu-se na apresentação de um novo plano para a comunicação social, sobretudo do Estado, reduzindo, progressivamente, o peso da publicidade na estação televisiva estatal. Depois de tantos anos a pagarmos taxa para um serviço que mais parece a ‘voz do dono’ do que um serviço de comunicação isento, pluralista e credível em que todos pagam – na fatura da eletricidade a ‘taxa’ de televisão – e quem não usar tal meio de informação ou de diversão é contribuinte na mesma. Nada mais estatizante do que todos serem taxados, mesmo que não usem o serviço: problemas deles, usassem!

3. O meio audiovisual – num espetro de comunicação social nos diferentes ramos e ações – está cada vez mais aberto e são multíplices os canais de difusão: desde os mais generalistas até aos mais específicos; dos mais credíveis aos promotores das falsas notícias; dos que falam verdade e a promovem até aos que a distorcem e vilipendiam; com profissionais credíveis até aos mais vendidos e serventes de interesses mesquinhos; dos que têm valores e critérios humanistas até ao que manipulam sem pejo e com artimanha; dos que não têm medo de exercer a profissão ‘sem rede’ (auricular, sms ou perguntas pré-feitas) até aos que não sabem questionar sem cartilha ensaiada a partir da ‘redação’ virtual.

4. Mal vai um cidadão que se fique por seguir só um canal, ler só um jornal, escutar só uma rádio ou mesmo fidelizado a uma única rede social, Com facilidade perceberá que pode estar a ver ou a ser visto de um só ângulo, possivelmente, o menos ajustado à realidade. O nosso tempo é, em quase tudo, multiforme e será um risco de ser manipulado por uma única fonte de informação. Por isso, o estrebuchar da estação estatal revela que o protecionismo – de meios, de fontes, de gastos ou de futuro – está colocado em causa, obrigando a fazer melhor para não cair nas escolhas de quem segue e se deixa ficar por mais algum tempo ligado ao canal selecionado.

5. Há algo de extrema gravidade: o dito jornalismo é dos poucos casos profissionais em que, quando estão em greve, precisam de a romper para se saber que eles estão a reclamar. Pior quando têm de dar notícias sobre a concorrência: os noticiados podem ser novos clientes conquistados pelo azar alheio. As reações corporativas deste setor aquando das palavras supra citadas dá-nos a entendem que, tendo-lhes tocado no prato, sentem que pode perigar a sua subsistência.

6. O tempo é curto para nos aferirmos ao futuro breve: será escusado dramatizar, pois poderemos trazer à liça a estória do palhaço enviado à cidade para virem acudir a um incêndio no circo. Estranhando a subtileza de campanha do circo para conquistar novos fregueses, ninguém ligou aos gritos do palhaço, tendo o fogo alastrado, pelos campos envolventes, até à cidade avisada. Assim, fomos prevenidos de que algo vai mal no reino da televisão estatal e não só. Menosprezar os avisos pode custar a sobrevivência de todos…



António Sílvio Couto

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