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terça-feira, 3 de novembro de 2020

Não manifestar medo aos cães

Tenho ouvido dizer que não se deve manifestar medo para com os cães. Não estamos a falar de cinofobia, isto é, de ter algum medo irracional para com os cães, seja qual possa ser a razão, como por exemplo ter tido uma experiência traumática com cães no passado, sobretudo se atacado ou mordido por cães…em criança.

 

= Num primeiro momento podemos referirmos aos ‘cães’ no sentido denotativo, isto é, aos animais enquanto tais e como isso mesmo, animais, desde companhia até à situação de serem guarda, passando mesmo pelo entendimento segundo as várias raças e de tudo quanto possa estar relacionado com esta espécie animal específica. Não pretendo entrar por este campo e tão pouco pela difusão da presença dos cães em ambiente familiar… O sentido desta partilha/reflexão orienta-se mais para o aspeto conotativo do termo ‘cães’, sem pretender subjugar o que é dito a algo ofensivo e tão pouco pejorativo.

 

= Façamos uma abordagem àquilo que na Sagrada Escritura se fala do tema dos ‘cães’, para entendermos o sentido no qual se traz para aqui esta reflexão sobre o assunto.

Na Bíblia, a palavra ‘cães’ é aplicada tanto no sentido literal quanto no sentido figurado. A ideia sobre os cães nos tempos bíblicos era muito diferente daquela que temos e que talvez cultivemos na atualidade. Os judeus consideravam os cães como animais algo repugnantes e impuros. Num salmo com teor messiânico, o salmista refere: “estou rodeado por matilhas de cães, envolvido por um bando de malfeitores” (Sl 22,17).
No contexto dos tempos do Novo Testamento, os rabinos tinham o costume de usar a figura dos cães para se referir aos gentios. Ironicamente, São Paulo também designou alguns seus oponentes e adversários da obra de Deus, como “cães”. Por isso ele advertiu: “cuidado com esses cães, cuidado com esses falsos trabalhadores, cuidado com os falsos circuncisos” (Flp 3,2). No contexto em que Paulo escreve, os cães eram os falsos mestres que tentavam impor práticas judaizantes aos cristãos como forma de salvação.  Por seu turno, no Apocalipse (22,15) aparece-nos a expressão: “fora os cães”, como algo pejorativa, que denota aqueles que devem ser evitados por causa da sua imoralidade, leviandade e infidelidade, sendo pessoas que demonstram um caráter pecaminoso, corrupto e incontrolável...essas pessoas ficarão fora da vida eterna ao lado de Deus.

 

= O que é que isto pode ter a ver com a situação atual da pandemia e das suas consequências? Como poderemos enfrentar as atitudes de certas pessoas, que mais parecem estar em agressividade de alguns caninos ferozes? Será que determinadas posições de quem exerce o poder não entrariam mais na classificação de ataque do que de defesa em matéria de atribuições caninas? Perante algumas tomadas de posição, por parte de responsáveis eclesiais, nisto em que se converteu o ‘processo da pandemia’, não parece que foram domesticados mais como ‘animais de companhia’ do que investidos como vigilantes perante as insídias dos assaltantes?

 

= Eis, a terminar, uma estória com lições de vida…

Passando por uma loja, um pequenito viu escrito numa montra: ‘vende-se cachorrinhos’. Interessado como era por animais, entrou e perguntou ao dono da loja: quanto custa um cachorrinho? O dono respondeu: entre 30 e 50 euros. Está interessado nalgum? Sim – disse o pequeno. Então o dono da loja fez com que a cadela trouxesse os cachorrinhos, que corriam atrás da mãe. Mas havia um que ficou para trás...arrastando uma perna. O pequeno disse, logo que viu este último: quero aquele… O dono da loja retorquiu: este nasceu aleijado e, ao que me disse o veterinário, nunca mais vai recuperar. Por que queres este? Por que simpatizei com ele – disse o rapaz. Mas este eu dou-to – retorquiu o dono – não precisas de o comprar. Não eu quero comprá-lo...embora só tenha cerca de três euros aqui, eu comprometo-me a vir dar-lhe todos os meses, pelo menos cinquenta cêntimos, até que esteja totalmente pago... Ele vale tanto como os outros, pelo menos para mim... E, levantado a calça, o pequeno mostrou a prótese numa perna, dizendo: eu sei o que é viver com dificuldades... Não quero que aquele cachorrinho fique para trás! Então, o dono da loja, emocionado, retorquiu: quem dera que todos os outros cachorrinhos tivessem a sorte deste que tu escolheste...

 

António Sílvio Couto

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