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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Como será lido, na História, o ‘covid-19’?


No desenrolar do espetro da História, haverá um tempo que será dedicado a tentar interpretar estes meses – mais intensamente desde março passado – que temos estado a viver com as diversas implicações da pandemia de ‘covid-19’ nos múltiplos países do mundo.

Efetivamente já foi assim noutras situações de epidemia, com perdas de vidas humanas, com casos inesperados e de alcance mais ou menos generalizado. Dizem os entendidos na matéria que há duas formas de equilibrar a demografia: pela guerra ou pela doença. Daquela temos estado livres, particularmente na Europa, de forma generalizada, desde há mais de setenta anos. Por entre laivos de algum desenvolvimento temos conseguido suplantar etapas de doença – muitas delas provenientes como agora do Oriente – e, com muito esforço disso a que chamaram, desde o final da segunda guerra mundial, o ‘Estado social’ (isto é, o estado/governo cuida das pessoas atendendo à saúde, à segurança e ao bem-estar coletivo) tem conseguido ultrapassar as debilidades individuais.

 

= No percurso da história da Humanidade, houve alguns momentos de pandemia mais ou menos significativos. Vejamos algumas das incidências:

- As pandemias ligadas à gripe, com as mais célebres: gripe russa (século XIX), gripe espanhola (surgiu em 1918…com mais de 40 milhões de mortos), gripe asiática (surgiu na China em 1957…atingiu todos os países do mundo em dez meses), gripe de Hong Kong (surgiu na China em 1968);

- Houve ainda oito grandes pandemias ligadas à cólera;

- Tivemos também a peste negra que, na baixa Idade Média, assolou a Europa, vitimando entre um terço (25 milhões) e metade (75 milhões) da população mundial. No século XVI, sobretudo no México, deu-se a pandemia da varíola e do sarampo, com mais de dois milhões de mortos;

- Mais recentemente tivemos a pandemia da sida, que, desde 1982, infetou 60 milhões de pessoas em todo o mundo e vitimou 20 milhões de pessoas. Ébola, zika e dengue continuam a poderem tornar-se novos fenómenos de doenças pandémicas.

- Agora estamos a ser submetidos à prova do ‘covid-19’ com efeitos e consequências ainda não totalmente percetíveis a curto e a médio prazo…Mas os milhões de infetados sobem todos os dias, os internados estão a fazer colapsar os hospitais e os falecidos são enterrados sem haver tempo de fazer o mínimo de luto.

 

= Nos casos ocorridos no passado houve, de alguma forma, uma interpretação mais ou menos religiosa dos acontecimentos, tanto pela sua leitura como pela visão teísta das coisas e, sobretudo, pelo modo como eram entendidos os infortúnios da vida pessoal e coletiva. Casos há que nos ficaram como testemunho de salvaguarda divina – a Deus recorreram nas horas de aflição e por Ele se viram defendidos – perdurando até aos nossos dias. Quando nos reportamos a situações de tempos idos, podemos constatar que se foi desenvolvendo alguma motivação religiosa, tanto na leitura sobre as epidemias, como na forma de interceder junto de Deus quanto aos episódios pandémicos. Quem desconhece que a colocação de nichos, capelas ou igrejas dedicadas a São Sebastião à entrada das principais povoações (ao tempo da invocação) pretendem manifestar que ele seja o ‘protetor contra a fome, a peste e a guerra’? Quem ignora que muitas das grandes obras sociais, que perduram até hoje, surgiram para acudir a tempos de doença mais generalizada?

Ora, excecionando dois momentos mais significativos – a 27 de março pelo Papa Francisco e, anteriormente, a 25 do mesmo mês pelo Cardeal António Marto – não foi tão percetível quanto seria desejável algo que releva-se a dimensão religiosa e mesmo cristã desta incrível situação de pandemia… Com efeito, parece que vivemos, no geral, numa maior certeza para com as nossas forças humanas (sanitárias, científicas, culturais), relegando para o foro privado algo que, afinal, nos atinge a todos indistintamente. Alguns comunicados dos responsáveis eclesiais parecem enfermar de medo e até de submissão mais às forças humanas do que aos apelos diretos e incisivos a Deus. Precisamos de honrar o longo património espiritual de intercessão dos cristãos para com todos os homens/mulheres, seja qual for a religião, a língua ou a cultura…

Este tipo de provações não se vencem sem muita oração, jejum e sacrifício. Entende-se esta linguagem?

 

António Sílvio Couto

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