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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

E porque não, comer on-line?


Nestes tempos de pandemia fomo-nos adaptando a muitas e diversificadas situações, reaprendendo nalguns casos e, em tantos outros, obrigados a desenvolver a nossa inteligência prática ou a manifestarmos melhor a inteligência na prática.

Quantas coisas passaram a serem diferentes, não pela mera diferença, como como consequência de não podermos continuar a fazer ou a viver do mesmo modo e com as mesmas (pretensas) rotinas. Mudança ou adaptação passaram a ser palavras conjugadas em vários tempos e formas, numa sintonia quase generalizada e com resultados díspares… para não dizer disparatados.

Com grande velocidade houve um termo e uma atitude que percorreu rapidamente as etapas de maturação, se bem que, em certas circunstâncias, sem a desejada maturidade, refiro-me a ‘on-line’. O seu significado é: conectado/ligado em rede, através da internet, com outros computadores, estando, assim, em linha…

Vejamos, numa espécie de sumário, como o ‘on-line’ nos fez estarmos (senão mesmo sermos) pessoas e sociedade diferentes daquilo que éramos antes da pandemia:  

- ‘on-line’ passou de recurso quase a solução…única e/ou exclusiva;

- ‘on-line’ de possibilidade substitutiva tornou-se fórmula de vivência;

- ‘on-line’ de capacidade tecnológica virou marca de isolamento;

- ‘on-line’ de algo excecional adquiriu estatuto de preferência…

 

= Ora, se em certos ramos ou campos de atividade, o ‘on-line’ pode ser iniciado e prosseguido, noutros a sua prossecução será, além de desvirtuadora, pouco benéfica, inaceitável ou nada razoável. Se na atividade de escritório ou de secretária o ‘on-line’ pode resolver alguns problemas em primeira instância, no ramo da restauração o ‘on-line’ pode ser apelativo e fascinante para atrair a clientela, não satisfará os famintos em maré de quererem comer o que através do ‘on-line’ seduziu. Se na atividade desportiva – sobretudo de não-participação – o ‘on-line’ resolve quem seja adepto de bancada – agora tornado de sofá – não será solução para quem deseje jogar e exercitar-se na prática desportiva…de pavilhão, de campo ou de ginásio…

 

= Por razões várias, que não de mera deformação ‘profissional’, vou deter-me por instantes num campo onde me movo e no qual vejo com alguma preocupação as possíveis (sobretudo futuras) consequências do recurso ao ‘on-line’ como solução ou, dito de outra forma, de tornarmos a possibilidade do ‘on-line’ numa vivência quase indistinta para os nossos problemas de comunicação da fé e da sua celebração de forma comunitária – preferencialmente – presencial, isto é, de uns com os outros, sentindo-os, tocando-os, olhando-os…de verdade. Afinal, a máscara não esconderá mais do que permite ver?

Depois da vulgarização da ‘missa na televisão’ como forma de cumprir o preceito dominical da eucaristia, fazendo daquilo que era uma exceção uma regra para uma boa parte dos nossos católicos, que, mesmo assim se diziam ‘praticantes’. Com a extensão desta solução da ‘missa pelos meios de comunicação’ – agora já não só na televisão a gosto, mas segundo a rede social a pedido – nos longos setenta e sete dias (de 15 de março a 30 de maio) em que as igreja foram obrigadas a fechar ao culto, no nosso pacato país. Depois de termos constatado que os templos reabertos – e seguindo as regras e normas sanitárias gerais – continuam sem aqueles que até então os ocupavam – na sua maioria pessoas com mais idade e muitas crianças e adolescentes – à mistura com soluções arranjadas nalgum facilitismo pseudo-praticante.

Parece-me chegada a hora de não continuarmos a enganar-nos com soluções de recurso, que mais não são do que extensões do medo de tantos daqueles que deviam dar o exemplo e sujarem-se nas teias da pandemia. As catequeses ‘on-line’ não serão mais peças de um comodismo de quem continua a preferir esconder-se do que a dar a cara em testemunho de fé? A tecnologia do ‘on-line’ não pode camuflar a falta de preparação de tantos dos que eram praticantes da missa na igreja, para o risco de ser cristão/católico, no hoje da história, ‘escutando o Céu, olhando a Terra’? Pelo ‘on-line’ podemos chamar, mas não conseguimos fazer desse apelo uma celebração onde a comunhão se faz de forma presencial, tocando e sendo tocados, sentindo e sendo sentidos e cuidados. Que o ‘on-line’ não faça de nós espetadores, mas participantes efetivos e afetivos!

 

António Sílvio Couto

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