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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Não será manipulação das crianças?

 

Surgiu, nestes dias, uma publicação de um canal conotado com um certo clube desportivo, uma criança (identificada como tendo apenas onze anos) adepta dessa agremiação a proferir coisas de duvidosa educação: pela agressividade contra outros clubes, com apreciações de valor quanto a jogadores dos adversários e, sobretudo, a opinar sobre lances e jogadas de suspeita capacidade de julgamento…a não ser pela sórdida manipulação dos mais velhos. Ela enxameava grande azedume, sob o olhar de incentivo do entrevistador.

1. Se fosse apanhada a coser sapatos ou a tirar os alinhavos das roupas, diriam que era ‘trabalho infantil’, mas ao ser mostrada à porta de um estádio, antes de um jogo de futebol, e com tais preparos, isso é o quê? Pela cor das roupas se percebe que está bem instruída na arte-de-maldizer. Será desta forma que as crianças serão o futuro ou andaremos para trás na arte de conviver com a diferença? Não serão criadas, deste modo, condições de maior agravamento entre adeptos, com atitudes, gestos e palavras tão desvairadas e cheias de obstinação clubística? A quem interessa difundir tais mensagens e fascinar os mais novos com essas coberturas em público?

2. Como desporto o futebol pode ser criador de diálogo e de compreensão entre os povos e culturas, mas como competição o que temos visto e ouvido anda muito longe desse espírito humanista e conciliador. Pior ainda quando se acirram os ânimos de uns contra os outros, mesmo que por razões identitárias ou de necessidade de sobrevivência económica. Os milhões que povoam o complexo ‘mundo do futebol’ – e não ousamos entrar na rebaldaria dos números das arábias – deixam a crer que há muitas e diversas movimentações de interesses para além do jogo disputado, comentado ou discutido. Com efeito, depois do tempo dos ‘patos bravos’ – uns tantos que queriam ser importantes na sociedade à custa da exibição nas coisas do futebolês – parece que, agora, estamos na época da lavagem de dinheiro com subterfúgios – suportados por autarcas e políticos de segunda – quais marionetas de multinacionais e vendedores sonhos, que reverterão, brevemente, em pesadelos.

3. Acima de tudo há um setor que me deixa sempre preocupado, pois é o elo mais fraco da cadeia deste imbróglio em que se tem vindo a tornar o futebol: os adeptos, tanto os que são sócios como os ocasionais de ida ao estádio ou mesmo os que o são por simpatia e veem os jogos na televisão. De facto, são os adeptos que mantêm a chama da discussão, até porque os jogadores não passam de mercenários, indo para onde lhe pagam mais. Aliás a cobertura deste eufemismo de servirem quem melhor lhes paga, apelidam-na de ‘profissionalismo’… E vemos a trocas-e-baldrocas de jogadores de um para outro clube, vendidos a peso de ouro e com tempo de validade muito abaixo de qualquer outro trabalhador… ganham rios de dinheiro, fazem vida de ricos, gastam até falirem e depois caem, normalmente, na miséria tanto humana como cultural. Nota-se que boa parte dos jogadores de futebol não tem capacidade cultural de gerir as fortunas que lhe cabem em sorte, por isso, são usados por habilidosos – ditos empresários – na gestão do tempo em que irão servir de ‘palhaços’ no grande circo dos estádios…

5. O puzzle do mundo do futebol é complexo e cada vez mais enredado: dirigentes (locais ou supranacionais), treinadores (e equipas técnicas), assessorias e consultadorias, jogadores (nos mais diversos escalões e agora também sexos), sócios e simpatizantes… para além dos comentadores (nos diversos canais televisivos ou nas ditas redes sociais), os jornalistas e tantos outros/as que vivem à pala deste fenómeno, progressivamente mais económico do que desportivo.

6. Quando se esperava que as gerações mais novas seriam mais tolerantes para com os adversários parece que está a emergir uma nova vaga de adeptos radicalizada no seu clubismo, facciosismo e agressividade, tornando os outros inimigos a abater, não com a razão e a arte desportiva, mas pela força e mesmo a violência. Isto pode ser tudo, menos desporto…claramente!


António Sílvio Couto


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