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quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Inquietantes sinais da ‘geração canguru’

 


Desde de alguns anos a esta parte se vem designando aqueles/as que vivem na casa dos pais muito para além dos vinte e tal anos – como era costume em décadas anteriores saírem – como ‘geração canguru’, isto é, que não deixaram a bolsa marsupial, num certo conforto sem compromissos nem incómodos…pessoalmente.

1. Segundo dados publicados por estes dias, ao nível europeu, e relativos ao ano de 2022, os jovens, em Portugal, saem de casa dos pais, em média, aos 27,9 anos, quando na União Europeia, essa media se situa nos 26,4 anos. Os países onde a saída da casa dos pais se situa acima dos trinta anos são: Croácia, Eslováquia, Grécia, Bulgária, Espanha, Malta e Itália. Por seu turno, os jovens de cujos países saem de casa dos pais abaixo dos vinte e três anos são: Finlândia. Suécia, Dinamarca e Estónia. Se atendermos aos sexos os homens saem, mesmo em Portugal, da casa dos pais mais tarde do que as mulheres: eles pelos 30,4 anos e elas pelos 29 anos…

2. Quais poderão ser as causas bem como as consequências desta mutação histórico-social? Atendendo às melhores condições de vida não seria previsível que as pessoas se quisessem autonomizar mais cedo? Este prolongamento na dependência familiar significa maturidade ou o seu contrário? Com tantos e melhores meios de vida por que se dá esta acomodação dos filhos na casa dos pais? Serão estes que os prendem e quase fazem prolongar a estadia na sua casa, como se fosse um refúgio e resguardo? Mesmo que trabalhando e vivendo na casa dos pais, os filhos comparticipam nas despesas da casa ou limitam-se a gastar sem cuidado pelo futuro?

3. Poderemos considerar que cada caso é um caso, mas com tantos a acontecerem em tão grande escala dá a impressão de que algo está mal, importa, por isso, encontrar em quem ou porquê. Os pais destes filhos, na sua maioria, começaram a assumir a vida cedo, pois tiveram de enfrentar as agruras de há cinquenta e quarenta anos atrás. Muitos deles comeram o ‘pão que o diabo amassou’ e mesmo assim beneficiando das condições dos seus antecessores (pais e avós), esses sim acrisolados pelos tempos da guerra mundial… com racionamentos e senhas para angariar comida! Passados todos estes anos fica-nos a sensação de que muitos dos atuais pais – mesmo que os filhos já tenham saído de casa – continuam a serem protetores em excesso, condicionando até a educação dos possíveis netos.

4. Para quem saiu de casa dos pais aos dez anos, tudo isto soa quase a surrealista, pois a vida faz-se crescendo em maturidade e sem excluir o sacrifício. Por algum tempo se levantaram vozes contra esta forma de educar: fazendo sair as crianças de junto dos pais para irem para o seminário, onde passavam em regime de internato os tempos de estudos, mas também de convívio com outros da mesma idade, em oração e acompanhamento no discernimento vocacional. Pela minha parte foram catorze anos (1969-1983) e, desse tempo, não tenho traumas nem menos boas recordações. Foi uma oportunidade de crescer na valorização humana, pelos estudos, na compreensão da vida, pela vivência de anos com outros companheiros, pela aprendizagem dos valores do Evangelho, na oração e na perceção daquilo que é a Igreja católica. Nem tudo foram rosas nem vitórias inquestionáveis, mas, creio, que tudo contribuiu para ser quem sou e para aceitar isso como caminhada cultural e espiritual.


5. Alguns setores mais fundamentalistas da nossa sociedade poderão considerar algo forçado aquilo que acabei de descrever, mas os mesmos não têm idêntica atitude, se o jovem (rapaz ou rapariga) sair de casa dos pais e for para uma academia de futebol ou de outros desporto ou mesmo de promoção em vista do dinheiro… Dá a impressão que este justifica todos os sacrifícios e dá cobertura à contradição quanto à objeção para algo que não se veja logo rentável…. E os da ‘geração canguru’ ficarão mal na fotografia, pois parece que se restringem a deixar passar o tempo, em breve estarão envelhecidos e quase incapazes de decidir seja o que for para a sua vidinha…



António Sílvio Couto

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