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sexta-feira, 16 de junho de 2023

São João, festa de fogo, no solstício?

 

De São João, no contexto dos «santos populares’, no mês de junho, celebramos o nascimento, três meses depois da celebração da Anunciação (Lc 1,26-38) e seis meses antes da celebração do Natal, isto é, no solstício do verão, no hemisfério norte. As festas em volta do fogo têm marcas de culturas pagãs e nem a colocação da celebração do nascimento de São João nessa ocasião do calendário conseguiu vencer cultos ancestrais, que têm estado a ser revigorados, na proporção direta do neopaganismo reinante. Repare-se na exaltação do fogo, como tributo ao deus sol, que se manifesta prolixamente na noite de São João. As fogueiras e o saltar a fogueira – como purificação pelo fogo – são mais alguns dos indícios pagãos nas celebrações sanjoaninas.

1. É digno de registo que São Batista dá ‘feriado municipal’ a trinta e quatro concelhos no nosso país, o que significa um número superior aos do conjunto de santo António (14 municípios) e de são Pedro (17 municípios). Para além deste dado sociológico outros aspetos estão em reflexão por ocasião do dia 24 de junho, solenidade de são João Batista. O culto do lazer é cada vez mais incentivado e vivido como forma de estar na vida, podendo correr-se o perigo de confundir não-trabalho com profissão de sucesso…

2. Atendendo a que a celebração de são João coincide com o solstício de verão, no hemisfério norte, as manifestações pirotécnicas sanjoaninas têm uma profunda relação com celebrações ancestrais de cultos ao ‘deus-fogo’, cujos rituais passam por acender fogueiras, saltar à fogueira e outros artefactos onde o fogo entra como elemento essencial de comunicação humano-divina… No entanto, estas manifestações ‘culturais’ podem redundar em neopaganismo, se não forem enquadradas no conteúdo e na forma. Com efeito, quando a fé esmorece surgem com frequência recursos a outros sinais ‘religiosos’, por vezes de difícil distinção entre o verdadeiro e o falsificado.

3. À semelhança do que acontece por ocasião do santo António também no são João encontramos marchas populares. Embora tenham sido um dos cartazes de propaganda do ‘Estado novo’, têm vindo a reflorescer com novos motivos e agregando populações com afinidade. Pelo tempo empregue a preparar, pelo compromisso em ensaiar e pela forma galharda como aparecem no contexto festivo do são João, as marchas populares permitem perceber a onda ‘cultural’ de cada terra e/ou região. De facto, desde as indumentárias até aos ritmos musicais e passando pelas letras, as marchas populares revelam em cada ano algo mais do que aquilo que dizem ou mostram. As marchas conseguem-se através da conjugação de sinergias e de diálogo de idades, podendo ser uma parte visível do tempo da festa…

4. O povo precisa de festa, mas não pode vivê-la a qualquer preço, sabendo o significado e quais as envolvências humano-culturais que a motivam. Por isso, urge denunciar certas subtilezas e corrigir aproveitamentos de forças menos claras sobre o assunto. Sobretudo as festas que têm por patrocínio os santos devem ser purificadas para que não estejamos a ofender quem deveríamos honrar. Sobre o são João precisamos de estar atentos aos sinais de paganização introduzidos, cultivados ou recorrentes. Este santo da austeridade de vida pessoal não pode servir para dar cobertura aos desmandos com que é torneado por ocasião dos seus dias de festejo. São João merece mais e, sobretudo, melhor.

5. Os santos populares dão cobertura ao tempo de festa que o povo espera, precisa e cultiva, mas que saibamos viver a diversão sem ofendermos Deus com os nossos excessos de nivelação dos santos aos nossos interesses!



António Sílvio Couto

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