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quarta-feira, 28 de junho de 2023

A quem interessa não promover a poupança?

De muitas e variadas formas vemos promover mais o consumo do que a poupança. Certos episódios do coletivo recente vieram trazer ainda mais à luz do dia que estamos sob uma forma de governação que prefere incentivar o consumo do que favorecer sinais e ações de poupança, tantos das pessoas como das famílias. Aquilo que foi a desvalorização abrupta e decidida pelo poder em exercício dos juros nos ‘certificados de aforro’ pareceu apenas mais um indício de que a governação prefere lançar dinheiro para gastar do que criar condições de poupança, seja qual for a valorização…

1. A desacreditação sobre o poupar já nos deixou imensos prejuízos, em tempos mais ou menos recentes, pois incentivar o endividamento fez-nos cair nalguns fossos económicos, quase sempre construídos pelo mesmo setor ideológico: as crises cíclicas depois de passarem os socialistas pela governação são sinais evidentes de algo mais profundo do que mera coincidência. A fórmula ardilosa como as entidades bancárias tentam impingir créditos deixarão marcas idênticas naqueles que caírem no logro…Como se fôssemos um povo rebelde, que não aprende com os erros do passado, estamos a dar os mesmos passos, que trarão idênticas consequências para todos.

2. O endeusamento da economia – mais parece de economicismo – como a nova religião, com a panóplia de servidores e de fregueses faz com que vivamos mais em ordem ao materialismo do que tendo em vista os cuidados para com o futuro, pessoal, familiar ou comunitário. As catedrais do consumismo são mais atraentes do que as das religiões tradicionais, pois naquelas se veem os fatores de produção quantificáveis numa experimentação emotivo-sensorial que cativa quem se reduz a viver para o prazer mais ou menos lícito.

3. Veja-se como, hoje, muitos fazem sucesso com o desperdício dos outros, desde as roupas trocadas pelos indícios da moda, as comidas esbanjadas que podem fazer proveito a desfavorecidos, as diversões que atiram para a berma da vida os desqualificados, os descartáveis e descartados pela família e a sociedade, os empurrados para fora da pista porque não alinham nas pretensões da maioria… São imensos os sinais de imaturidade de boa parte das pessoas do nosso tempo, pois julgam creditar-se pelos bens que ostentam, pela fachada que cultivam ou mesmo pela incongruência com que vivem. Para além de um novo-riquismo estamos confrontados com misérias morais normalizadas pela sociedade de consumo e de egoísmo…

4. Dizia recentemente o Papa Francisco: «De facto, também hoje, podemos ser ridicularizados ou discriminados se não seguirmos certos modelos em voga, que, no entanto, colocam muitas vezes no centro realidades de segunda categoria: por exemplo, seguir coisas em vez de pessoas, desempenhos em vez de relações (...) Tudo isto implica alguma renúncia perante os ídolos da eficácia e do consumismo, mas é necessário para não nos perdermos nas coisas, que depois são deitadas fora (...) Permanecer fieis ao que conta custa; custa ir contra a maré, custa libertar-se dos condicionamentos do pensamento comum, custa ser afastado por aqueles que “seguem a onda”» (Angelus de 25 de junho de 2023).

Retenhamos nestas palavras aquilo que é denúncia de uma sociedade podre e apodrecida, que coloca mais a sua confiança nos bens materiais do que nas causas humanitárias, nas vertentes hedonistas do que nos projetos humanistas, nas tricas de gabinete do que no compromisso em favor dos outros…

5. Desgraçado país (família ou pessoa) que viva na lógica do ‘chapa-ganha-chapa-gasta’. Pior ainda se se guiar pelo gastar o dobro daquilo que ganha… tudo colapsará. Neste país em saldos torna-se difícil – senão impossível – dar conta do recado de podermos sobreviver aos desejos incomensuráveis desta sociedade de consumo, que faz do ter a forma de viver, ainda que seja pelo disfarce e a mentira. Temos boca de rico e bolsa de pobre. Haja quem nos diga a verdade e por ela nos governe com simplicidade e coerência!



António Sílvio Couto

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