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segunda-feira, 12 de junho de 2023

‘Santos populares’ – popularizados ou popularuchos?

Ao ritmo da sociedade de consumo vão sendo incluídos no tecido humano, económico e social, os pretensos ‘santos populares’ do mês de junho – Santo António, a 13 de junho (feriado em catorze municípios), São João, a 24 de junho (feriado em trinta e quatro concelhos) e São Pedro, a 29 de junho (feriado em dezassete municípios). A cada um destes ‘santos populares’ se podem acrescentar tradições e formas de celebrar, mais em jeito pagão do que sob a conduta cristã, aspetos da vida coletiva, social e cultural.

1. Qual o significado dos feriados (como dispensa do trabalho, mas pago), tanto civis como religiosos? Quantos são os gerais? Como se pode ou deve entender uma certa cultura das ‘pontes’, como ligação intermédia dos dias entre vários feriados? O ‘feriado’ inclui ausência ao trabalho habitual, em razão de algum acontecimento significativo para o todo local ou nacional. Em Portugal temos, atualmente, treze feriados obrigatórios – cinco civis e oito religiosos, podendo ser incluído ainda o do carnaval e verificando-se ainda os feriados municipais, estes entre os fixos em dia e outros variáveis segundo outras condicionantes. De referir que o feriado da ‘quinta-feira da ascensão’ – variável em razão da celebração da Páscoa – é o feriado em trinta concelhos.

2. Este ano voltou a coincidir a proximidade ao Santo António com a celebração do ‘Corpo de Deus’, tendo ainda de permeio o 10 de junho e, novamente, se proporcionou um tempo de ´férias’ conjugadas com os interesses pessoais. É digno de registo que a maior parte dos feriados são mais para cuidar do corpo do que da dimensão espiritual, mesmo por ocasião dos feriados religiosos. Isso é bem patente aquando da Páscoa, esvaziando-se as igrejas e afluindo multidões às praias, se estiver de sol…

3. Se atendermos aos três ‘santos populares’ do mês de junho vemos que, em grande parte, se aproveitou dos ditos ‘santos’, essencialmente, as facetas mais popularuchas e de incidência mundana. Diante da figura sóbria de Santo António quiseram aproveitar mais aspetos de índole de diversão do que de chamamento ao sentido cristão da vida. Incluíram nos programas ‘casamentos’ porque dava jeito à sociedade de consumo e até as marchas populares – veículo cultural do ‘Estado novo’ – foram reconvertidas em sinais culturais de bairros em competição consumista e consumidora… O teor religioso foi sendo atirado para o circuito da sacristia, mesmo que nalgumas localidades haja o ‘pão benzido’, como faceta de partilha ou ainda se façam procissões por entre as barracas de comes-e-bebes, ao som das diversões…O povo quer e faz a festa à sua maneira.

4. Do São João celebramos o nascimento, três meses depois da Anunciação (Lc 1,26-38) e seis meses antes do Natal, isto é, no solstício do verão, no hemisfério norte. As festas em volta do fogo têm marcas de culturas pagãs e nem a colocação da celebração do nascimento de São João nessa ocasião do calendário conseguiu vencer cultos ancestrais, que têm estado a ser revigorados, na proporção direta do neopaganismo reinante. Repare-se na exaltação do fogo, como tributo ao deus sol, que se manifesta prolixamente na noite de São João. As fogueiras e o saltar a fogueira – como purificação pelo fogo – são mais alguns indícios pagãos nas celebrações sanjoaninas. Mais uma vez o povo faz festa, mesmo que não saiba o significado profundo da mesma.

5. A terminar o mês de junho encontramos a festa de São Pedro. Se bem que seja celebrado em conjunto com São Paulo, só Pedro merece atenção dos populares. A celebração de São Pedro e São Paulo comemoram o seu martírio, por isso, não seria de bom tom vulgarizar tais festanças. De alguma forma para o incluir nos festejos populares, cuidou-se de despir São Pedro da solenidade papal e fazê-lo um pescador, que era de origem, colocando-o mais ao nível dos que o pretendem festejar. É, por isso, significativo que São Pedro seja celebrado nas localidades com proximidade ao mar ou aos rios, naquilo que tem de linguagem e diálogo com esses meios e formas de estar, com procissões marítimas e outros festejos com sabor a sal. Quando convém os santos servem os nossos interesses, ontem como hoje!

António Sílvio Couto

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