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domingo, 17 de julho de 2022

Festa de uns – incómodo de outros

 


Certamente já todos refletimos sobre a implicação dos nossos atos na vida dos outros e da incidência da forma de estar dos outros na nossa vida. É nesta independência que, por vezes, as festas coletivas interferem nas coisas mais ou menos simples do nosso quotidiano e não só.

As ditas ‘festas populares’ são um exemplo de como algo que pretensamente é para o bem de todos – diversão, convívio, partilha, alegria, etc. – podem ser úteis para uns tantos (maioria) e criarem incómodo, perturbação, desagrado de outros (minoria), interferindo na correta convivência social e/ou de grupo.

 1. Será que os promotores das festas se advertem das consequências dos seus atos? Não será que, na maior parte das vezes, fazem festa longe do lugar onde moram, não sentindo os efeitos – menos bons ou até nefastos – de tais atividades? Haverá o direito de constranger o bem-estar alheio pela pretensa festa? As diversas poluições não deveriam ser acauteladas para com as (potenciais) vítimas das tais festas?

 2. Depois de dois anos de pandemia parece que as manifestações de festa estão mais ruidosas e quase desrespeitadoras de uns para com os outros. Notam-se sinais de alguma agressividade no festejar, levando a alguns exageros. Mesmo quem ande um tanto distraído poderá perceber que se tenta recuperar o perdido, vendo-se excessos de comida e de bebida, de quase provocações ou de ultrapassar de limites, que antes não se colocavam nem se viam tão na fronteira...de quase-falta-de-educação-mínima.

 3. Na reintrodução de algumas festas ou na proposta de outras que foram tiradas das memórias mais ou menos antigas, temos vistos emergirem festas de sabor neopagão, em certas situações trazendo à liça manifestações pré-cristãs, senão mesmo anticristãs. O pior é que autarquias e comissões de festas colhem boa aceitação junto das populações como que relegando para as franjas do cultural aquilo que foi acrisolado pela mensagem cristã ou talvez bem camuflado durante séculos e agora assumido sem pejo nem rebusco.

Neste contexto poderá ser útil a releitura da mensagem da pregação de S. Martinho de Dume e aprofundar as causas para atendermos às consequências daquilo que se está a passar. Será de grande utilidade humana, cívica e cultural aprofundar as razões da sua obra – ‘De correctione rusticorum’ (sobre a correção dos rústicos) – onde se faz uma severa e atenta doutrinação contra certos hábitos eivados de paganismo e onde a mensagem cristã não conseguiu atingir o cerne dos problemas culturais e mesmo éticos...ontem como hoje.

 4. Será que a onda de mundanismo, que tem invadido a maior parte das nossas festas religiosas, pôs a manifesto que o processo de evangelização da Igreja católica abriu fendas ou deixou escapar uma espécie de falência? Não teremos andado a permitir que as (ditas) festas religiosas pouco mais não têm que um certo verniz, que, entretanto, estalou e deixou perceber o caruncho sobre o qual estava alicerçado? Não teremos andado a enganar-nos – consciente ou inconscientemente – com rituais vazios de fé, embora eivados de devoção e de outros adereços facilmente revertidos e outras coisas laicistas? Para além dos gastos irrisórios com as atividades de teor religioso, não andaremos a enganar o nosso povo com trejeitos de oportunismo de uns tantos sobre o resto mudo e surdo?

 5. Agora que parece ter passado a pandemia seria muito útil peneirar das nossas festas religiosas (ou com teor dito cristão) resquícios de paganismo tolerado. Mesmo que se reduza ao número de andores – nalguns casos parecia mais um motivo de vaidade do que de compromisso em fé – será urgente tornar cada santo/santa mensageiro/a de conversão na vida e não deixar que continue a procissão como um desfile de coisas menos adequadas à mensagem do Evangelho. Já reparamos que a maior dos ‘assistentes’ ao cortejo processional não conhece as imagens nele figuradas? Use-se de inteligência para apresentar, informar e educar quem participa (ou vê) na procissão...

Que a fé faça festa, mas que esta festa contenha fé consciente, esclarecida e comprometida!

 

António Silvio Couto

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