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segunda-feira, 25 de julho de 2022

Esbanjar comida, até quando?

 


A cena conta-se de forma breve…as reflexões podem ser mais extensas e complexas.

Na esplanada de um café, numa região de veraneio, estavam mãe (jovem) e filha de poucos anos (talvez menos de três) diante de um prato com piza. Passada cerca de meia hora, ambas saem, ficando no prato a piza quase inteira – a petiz mal tocou na comida – e ambas abalaram, deixando atrás de si um rasto de comida abandonada, certamente tendo pago e um restolho de questões…pelo menos para mim, mais em nítido juízo e em busca de ter capacidade de compreensão.

 1. Não havia necessidade de desperdiçar daquela forma comida, que podia servir para tantos outros – crianças incluídas – que, a essa mesma hora, passavam fome sem culpa nem razoabilidade. Terá havido desconexão entre o que se desejava comer e a capacidade de absorção do repasto apresentado? Houve erro de cálculo ou, como se diz na expressão: ‘mais olhos do que barriga’? Será admissível que, desde pequeno, não se seja educado para não confundir os desejos com as possibilidades? Até que ponto aquela mãe será capaz de exigir à filha que seja comedida naquilo que quer, se não é suficientemente pedagógica para articular os gastos com os proveitos? Mesmo que possam ter meios económicos para esbanjar, há sempre um pouco de senso que é preciso minimamente exercitar…

 2. Poderá alguém contrapor que aquela mãe tem direito a fazer do seu dinheiro o que bem achar e que estas preocupações um tanto moralistas podem esbarrar com os direitos individuais e o usufruto de tais regalias. Não está em causa saber conciliar as posses com os excessos, mas tão-somente questionar eu sociedade estamos a criar, onde se olha mais para os interesses de circunstância do que para as possibilidades geridas ou a gerar. Efetivamente temos vindo a notar que as pessoas se limitam mais ao reivindicar dos seus direitos do que para a abrangência da sua situação em sociedade. Os tempos são outros, as pessoas não foram educadas para a parcimónia, mas antes para a exibição; não foram ajudadas para a contenção, mas para uma quase-concorrência sem olhar a meios; não foram instruídas na poupança, mas antes no gastar-sem-olhar-a-meios, dando quase a entender que alguém (abstrato, sem rosto nem figuração) há de pagar quando elas entrarem em incumprimento… Será isto utopia ou já é forma de ver e de viver de tantos dos nossos contemporâneos?

 3. Escrevo por ocasião do ‘dia dos avós’ e neles vejo muito do contrário ao episódio supra referido. De facto, boa parte dos nossos avós vive mais na contenção e na poupança do que no esbanjamento e na irreflexão sobre o amanhã. Com efeito, já passaram as suas dificuldades e quase nada lhes foi dado sem muito sacrifício.

Bastará aqui lembrar a breve conversa de dois velhos (avós ou não) com outros mais novos, quando estes questionavam a forma como eles aproveitavam as coisas, não deitando fora nada nem mesmo as loiças partidas; ao que os mais velhos responderam: fomos habituados a consertar tudo e a não deitar fora nada, mesmo nas relações de uns com os outros…aprendemos a remendar.

 4. Diria que é algo que configura a faceta de criminoso aquilo que se tem vindo a verificar no nosso país e de uma forma mais ostensiva com certas tendências ideológico-partidárias – como aqueles que nos governam desde há quase uma década – criando-se a visão de que se pode ganhar mais, mesmo sem se produzir mais; de ter melhores salários, sem haver riqueza que tal suporte; de lançar dinheiro sobre os problemas, sem se perceber qual o engano em que se labora ou a mentira em que se vive… Vemos mais ser acirrado o consumo do que incentivada a poupança – por mui parca que possa ser – numa feira de vaidade, onde cada um parece mais querer mostrar o que parece do que ser o que, de verdade, é.

 5. A curto prazo pagaremos a fatura de tal esbanjamento, pois não tendo sido educados para a dificuldade, muitos dos mais novos entrarão em colapso psicológico e mental. Como diziam os mais velhos, anos após os racionamentos da segunda guerra mundial: Deus queira que esse tempo não volte…mas seria útil por um dia!    

 

António Sílvio Couto

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