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terça-feira, 12 de julho de 2022

Com facilidade esquecemos e somos esquecidos

 

No passado dia oito deste mês ocorreu o primeiro aniversário de falecimento do Padre João Luís Paixão, ocorrido em consequência do ‘covid-19’. Pelo menos na página oficial da diocese de Setúbal não vimos a mínima referência. Certamente nos espaços onde ele exerceu o seu ministério sacerdotal terá sido lembrado ou não esquecido. Que me perdoem aqueles/as que fizeram memória deste padre precocemente falecido, mas, perante certos fenómenos sou chamado a refletir sobre questões muito mais do que religiosas ou sob a alçada da fé cristã.

1. Recordo uma conversa – um tanto descontraída e sem complexos – com um padre bem mais velho do que eu: ó Armindo, ouvi dizer que, na tua humildade, vais pedir, quando faleceres, que te enterrei à entrada do cemitério da tua terra, tal é a humildade que te reconheço, pois, deste modo, todos poderão passa sobre ti em jeito de acrisolar a tua condição de humilhação depois de morto… Ao que o interlocutor me respondeu – como sabias que era essa a minha intenção… Claro que não eram tais os seus desejos post-mortem, mas ele entrou na onda desta espécie de ‘provocação’…

2. Nestas coisas da vida e, sobretudo, da morte, temos, efetivamente, pouco tempo de validade, não só pela fragilidade da nossa condição somática, mas também pela velocidade com que passamos, entrando num razoável esquecimento. Diz-se que a nossa durabilidade de fama se esvai ao final do terceiro ou quarto dias de falecimento… um pouco como as flores com que enfeitamos o nosso luto e quando muito num processo de lamentação, quando esta é feita com sentimentos humanos dignos de tal registo.

3. A velocidade dos nossos tempos não nos deixa espaço nem condições para aferirmos aquilo que nos devia fazer refletir sobre quem somos, o que valemos e, particularmente, que memória deixamos. Confesso que me faz uma impressão inaudita ver como as pessoas passam e são esquecidas, tanto mais quando foram aduladas…naquilo a que consideraram ser vida. Certos panegíricos de circunstância pouco mais não são do que mentiras sociais ou sob a forma de querermos enganar ou de sermos enganados. Na sua sábia conduta de vida, a Igreja católica desincentiva (ou quase proíbe) as loas por alguém, em maré de funeral, esse deverá, antes, ser oportunidade para refletir sobre as ‘verdades eternas’, as que não andam ao sabor das modas e à cata de boas impressões vazias e ocas.

4. Cada vez mais é urgente não ter medo de enfrentar certas ideias eivadas de sincretismo anódino, tentando ludibriar incautos, ignorantes e sem-razões sobre o tema da cremação – ou incineração – como se o corpo humano – templo da presença de Deus para os cristãos bem formados na doutrina e na ética – fosse uma ‘coisa’ descartável e sem préstimo, depois de concluídas as funções humanas mais básicas. Com efeito, muitos casos de cremação/incineração não passam de gritos contra o abandono humano psicológico e (sem disso se darem conta) espiritual. Quanta ignorância à mistura com oportunismo sem nexo nem convicção…ou desconexão e sem razão.

5. Depois do ‘culto da morte’ quase doentio – nalgumas épocas e regiões – caímos na vulgarização deste nosso momento derradeiro, sendo arrepiante a forma como alguns cristãos-católicos lidam com o assunto, deixando a manifesto uma indisfarçável falta de fé e mesmo de coerência entre os atos (religiosos) e os pensamentos. Em certos casos consegue-se juntar a não-procura dos ‘serviços religiosos’, por ocasião do funeral, como a petição de ‘missas por defuntos’ à maneira de ato social…onde se ouve o nome do ‘morto’ e isso satisfaz. Mais uma vez estamos no campo da incoerência à mistura com a pretensão de querer dar boa imagem, mesmo que desconexa da fé…

6. O caso do padre aqui evocado é muito mais do que elucidativo da impreparação em saber lidar com estas coisas do pretenso Além. Este não se inventa nem se faz-de-conta que se conhece…

António Sílvio Couto

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