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segunda-feira, 13 de junho de 2022

Recauchutagem das ‘marchas-populares’... de lisboa e não só

 


Apresentado como um ‘produto’ de matiz popular, as (ditas) marchas voltaram ao serão na véspera de S. António. Proposto como marca dos (ditos) santos populares, as tais marchas ocupam horas e horas de televisão (estatal, isto é, paga pelos impostos de todos), impondo ao país uma pretensa forma ‘cultural’ das franjas (ou bairros) da capital, que emergem como submundo de uma tradição bem mais retrógada – meados do século passado – do que aquilo que pretendem impingir nalguma democratização não-pedida e talvez nem sempre desejada.

Alguns laivos de encanto – de politicos e de ‘intelectuais’, de artistas e de concorrentes, de residentes ou de turistas – deixam um pouco a desejar sobre a seriedade de tudo isto e da convicção com que aparecem... mais como figurantes do que como intérpretes...

1. Vejamos uma fundamentaçao histórica das tais ‘marchas-populares’...da capital e estendidas tentacularmente ao todo nacional.

Lê-se na wikipédia:
As marchas populares de Lisboa remontam a 1932, quando foram organizadas as primeiras marchas competitivas, sob orientação de José Leitão de Barros, então director do Notícias Ilustrado, apoiado pelo olisipógrafo Norberto de Araújo e pelo Diário de Lisboa. Esta é uma das mais antigas e crescentes tradições da cidade de Lisboa (às marchas juntaram-se, em 1958, os casamentos de Santo António).. Porém, em Lisboa já se realizavam marchas desde o século XVIII.
Em 1940, as marchas populares de Lisboa saíram à rua, na comemoração de um duplo centenário, da fundação do Estado Português (1140) e da Restauração da Independência (1640)...

2. As roupas – mais parecem roupagens mal amanhadas, embora vistosas na forma e na confeção – com as músicas e as letras, à mistura com as danças – numa linguagem entre o pitoresco e um tanto brejeiro – algo sintonizadas com um certo ritmo trovadoresco constroem um ambiente que tenta enlear quem ouve e, sobretudo, quem se deixe envolver por gestos, pretensões e desejos nem sempre completamente dizíveis, mas antes servidos em insinuação... Seria algo demasiado inocente não perceber que as ‘marchas populares’ seduzem e não deixam ninguém indiferente... ou a mensagem estaria menos apropriada à comunicação.

3. Tudo passou a ter outro alcance quando quiseram fazer das ‘marchas populares’ uma espécie de espetáculo, de rua ou de televisão. Embora, na maior parte dos casos, seja a televisão estatal (isto é, suportada pelo dinheiro dos contribuintes) a gastar horas de emissão, não deixa de ver-se os outros canais a rondarem a marchas, pois precisam de ocupação em maré de feriado na capital. E aquilo que era localizado e datado, começou a ser imitado em povoações onde se celebram os três ‘santos populares’ do mês de junho: S. António, S. João e S. Pedro. De diversas formas e feitios fomos vendo a exportação do figurino para outros locais onde, certamente, haveria modos de festejar – como as rusgas ou tocatas e outras – e de envolverem as pessoas nas festas e romarias...

4. As marchas populares não deixam transparecer um país algo anedótico (anacrónico) e com laivos de ruralismo? As marchas não servem mais de produto comercial do que de expressão cultural? Quando dizem que as marchas são tradição estarão a ver o alcance pitoresco, mas não atualizado de fazer festa e diversão? A quem interessa vender esta produção de mediana qualidade, quando se varre para debaixo do tapete a sua origem no sistema do ‘estado-novo’? Diga-se tudo e não só meia-verdade!

Talvez seja hora de serem exorcizados tantos fantasmas que povoam os arquétipos de alguns mentores culturais. Não aconteça de fazerem aqui como aconteceu ao fado, de sinal do regime totalitário tornou-se totamente democrata por convenência... de uns certos cantores e cantadeiras!



António Silvio Couto

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