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segunda-feira, 20 de junho de 2022

Atos de imitação à revelia ou como rebeldia?

 


Meia-volta vemos surgiram nas redes sociais e em fotos de celebrações imagens de liturgias onde o enquadramento das ditas tem mais roupagem do passado do que do presente, seja na forma ou no conteúdo. ‘Missa em latim’ segundo o rito tridentino, pessoas – nalguns casos crianças na primeira comunhão – a comungar de joelhos e na boca, altares decorados com meia dúzia de velas, padres de costas para a assembleia, roupas e rendas do século dezanove, adereços para-litúrgicos de antanho… são alguns dos exemplos de atos de imitação de liturgias de outras épocas que podem e devem ser questionadas.

Embora seja um tema delicado – porque denota uma razoável desunião entre os católicos – vamos tentar abordar aspetos que possam esclarecer e situar na comunhão da mesma fé, tanto professada como celebrada.

 1. A quem interessa a missa tradicional em latim: aos celebrantes ou aos outros fiéis? Quais as regras para poder celebrar missa segundo esse rito? Haverá algo de rebeldia ou de rebelião em quem assim faz a missa? Este nicho de católicos são mais velhos ou há também (ou sobretudo) novos? Algum do ‘saudosismo’ da missa em latim não revelará incapacidade de saber ver os sinais dos tempos atuais, refugiando-se num passado sem regresso e quase inviável? Saberão ‘latim’ suficiente para além do escrito e talvez mal pronunciado? Numa palavra: Deus – da glossolalia do Pentecostes – só entenderá latim, quando O celebramos liturgicamente?   

 2. Com data de 16 de julho de 2021, o Papa Francisco publicou uma Carta apostólica em forma motu próprio ‘Traditionis custodes’ sobre o uso da liturgia romana anterior à reforma de 1970, decorrente do Concílio ecuménico do Vaticano II. Eis alguns excertos (dos oito artigos) dessa carta apostólica.

«Na senda da iniciativa do meu venerado antecessor Bento XVI de convidar os bispos a uma avaliação
da aplicação do Motu Proprio Summorum Pontificum [2007], três anos após a sua publicação, a Congregação para a Doutrina da Fé levou a cabo uma ampla consulta aos bispos no ano 2020, cujos resultados foram ponderadamente considerados à luz da experiência adquirida nestes anos.  Ora, tendo em conta os desejos formulados pelo episcopado e ouvido o parecer da Congregação para a Doutrina da Fé, desejo com esta Carta Apostólica prosseguir mais ainda na procura constante da comunhão eclesial».
- Os livros litúrgicos promulgados pelos santos Pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, são a única expressão da lex orandi do Rito Romano.
- Ao bispo diocesano compete regular as celebrações litúrgicas na sua diocese… é da sua exclusiva competência autorizar o uso do ‘Missale Romanum’ de 1962 na sua diocese, seguindo as orientações da Sé Apostólica.
- O bispo, nas dioceses em que até agora haja a presença de um ou mais grupos que celebram segundo o Missal anterior à reforma de 1970... verifique que esses grupos não excluam a validade e legitimidade da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II; haja um lugar ou mais lugares para a celebração eucarística, mas não nas igrejas paroquiais; as leituras sejam em língua vernácula; o sacerdote delegado do bispo tenha conhecimentos de língua latina; seja avaliada a utilidade de tais celebrações para a vida espiritual dos fiéis.
- Os presbíteros ordenados após a publicação do presente Motu proprio, que pretendam celebrar com o ‘Missale Romanum’ de 1962, devem dirigir um requerimento formal ao Bispo diocesano.
- Os presbíteros que já celebrem segundo o ‘Missale Romanum’ de 1962, requererão ao Bispo Diocesano licença para continuar a valer-se dessa faculdade.

 3. Dá a impressão que circula (ou será vegeta?) por aí – para além do desconhecimento deste documento do Papa – algo mais do que devoção e/ou saudade do antigo. Certas atitudes de culto ao antigo soa a remoque de quem não quer ser fiel à Igreja, mas antes se contenta com seguir os ‘gostos’ – duvidosos, diga-se – mais de teor individualista do que comunitário e sinodal. Valerá a pena recordar o que nos disse o Concilio Vaticano II, no documento sobre a liturgia: «as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é sacramento de unidade» (Sacrosantum Concilium, 107)…

 

António Sílvio Couto

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