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quarta-feira, 29 de junho de 2022

Parlamento nem de marretas?


Há dias, numa conversa de rua, entendi que se nota – três meses depois de ter iniciada a nova legislaura – alguma apreensão sobre o que nos vai tocar em sorte nos (possíveis) anos de reinação da nova maioria parlamentar: são muitos e muitas, mas falta nitidamente um projeto; são mais do que o resto, mas não se percebe claramente para onde vamos; ganharam nos votos, mas não sabem eficazmente o que fazer com a vitória... Veio-me, então, à lembrança enquadrar a interpretação destes factos e episódios com o recurso à série icónica dos anos setenta: ‘os marretas’. Expliquemos os figurinos e tentemos enquadrá-los nos personagens hodiernos.

1. ‘Os marretas’ é uma série de televisão norte-americana criada, em 1976. Intitulada originalmente ‘The Muppet Show’, tinha por cenário um teatro de "variedades/entretenimento" onde atuavam bonecos à maneira de ‘robertos’ de feira à portuguesa, que eram comentados dois velhos rezingões instalados nos camarotes. Entre os marretas, contavam-se ‘Gonzo’, um estranho animal de bico curvo; o urso ‘Fozzie’, cuja imagem de marca eram as piadas infelizes; e os mais famosos: o sapo ‘Cocas’ (o contrarregra do teatro) e a porca ‘Miss Piggy’... Estes formavam como que um par romântico: ela tinha um fraquinho por ele, mas ele fugia dela a sete pés. Em todos os episódios, havia um convidado de carne e osso, tendo passado pelo programa diversos artistas famosos dos EUA. A série estreou, em Portugal, na televisão estatal, em março de 1979, tornando-se um clássico da televisão... e do imaginário de quantos viveram esses tempos.. em maré revolucionária!

2. Quem encontraríamos no espetro socio-político para fazermos corresponder a alguma das ‘figuras’ dos ‘marretas’? O ‘sapo cocas’ corresponderia a quem? A ‘miss pigg’ colava em quem? Os velhos rezingões eram assumidos por quem? O das piadas sem nexo nem conteúdo daria a tarefa a qual dos governantes ou mesmo parlamentares?

A nossa democracia não parece um desses espetáculos dos ‘marretas’, onde os convidados se adequam mais à tarefa de serem populares no desempenho do que na boa (ou sofrível) prestação em favor dos outros, que neles votaram e em que minimamente confiaram? Não se nota algum resquício de teatro gil-vicentino – da velha e nunca acabada capacidade de corrigir os costumes pela ironia e o humor – naquela série de índole anglo-saxónica?

3. Ao tempo em que foi exibida a série dos ‘marretas’, a popularidade dos artistas era medida pela prestação dada. Outrossim aconteceu, no nosso país, quando reinou a ‘contra-informação’ – um pequeno programa com cenas da vida política e arremedos jocosos dos intervenientes – entre 2007 a 2010... fazer parte dos bonecos era uma espécie de barómetro de popularidade. Faz-nos falta algo idêntico – com educação, capacidade crítica e pertinácia – nos nossos dias, pois com tanto disparate bom seria não deixar escapar ao menos para que os ‘retratados’ se corrigissem!

4. Se pesquisarmos quais as profissões dos deputados portugueses na XV legislatura (2022) teremos o resultado mais comum e transversal: jurista – 61; professor – 45; economista – 20; engenheiro – 19; técnico superior – 8; gestor – 7; psicólogo – 6; empresário – 6; sociólogo – 5; consultor – 5.

Será que no parlamento estão os melhores da nação ou os mais oportunistas nos partidos, seja qual for a bancada? A maioria reinante já terá atingido o nível cultural dos ‘marretas’, tanto nas intervenções (nível de QI), como nas atuações (nível QE) mais elementares? Tantos e tantas eminências pardas acrescentarão algo à resolução dos problemas mínimos?

5. Neste teatro da vida é preciso mais do que saber representar, estar atento e ensaiar cuidadosamente, pois poderão surgir novos protagonistas e os de serviço serão relgados para fora do palco. Assim aprendêssemos com os ‘marretas’!



António Silvio Couto

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