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terça-feira, 25 de setembro de 2018

Não olhar ‘só’ pelo retrovisor…


Há situações – mais do que aquelas que seria desejável – envolvendo pessoas e factos, muitos deles do passado e não tanto do presente, que fazem com que tenhamos a sensação de se estar mais a olhar pelo retrovisor do que pelo para-brisas… Sobretudo quando nesta atitude estão envolvidos cristãos, isso será, no mínimo, questionável, pois nós caminhamos de olhos postos na meta e não meramente tropeçados nas etapas, por mais gloriosas que elas tenham sido.

Por muito aceitável que se pretenda proporcionar recordações de antanho, nós, cristãos, temos no Evangelho ‘sentenças’ de grande alcance, que podem ser lema de vida e mesmo que catapultaram tantos homens e mulheres da nossa História – humana e de salvação – para viverem a entrega a Deus e aos outros ou dos outros em Deus. Em muitas dessas frases é referido o desprendimento sem pretender reconhecimento ou recompensa: depois de fazerdes tudo o que vos foi mandado, dizei: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer… O servo não é mais do que o seu senhor… Se vos lavei os pés, sendo senhor e mestre, assim deveis fazer uns aos outros… Quantas vezes sinto alguma repulsa por excessivos agradecimentos, quando os intervenientes só fizeram o que lhes competia fazerem, em razão da sua fé e do necessário compromisso com Deus, na Igreja, para com os outros.

Num tempo de salutar anticlericalismo podemos e devemos refletir sobre que tipo de cristãos/católicos estamos a (re)produzir. Há demasiadas mentalidades eclesiásticas e laicais que ainda se não aperceberam das mudanças operadas dentro e fora dos círculos eclesiais. De diversas formas e outros tantos feitios temos vindo a assistir à recuperação de sinais exteriores de relevância eclesiástica que já não são descodificados pela maioria da sociedade secularizada. Por vezes pode-se correr o risco dalgum ridículo, acirrando contestações inúteis e quase despropositadas.

Trazemos à liça um caso onde se configuram estas vertentes enunciadas: uns padres, relativamente novos, acharam que deviam ir a uma corrida de toiros, vestidos com o ‘clergyman’ (colarinho romano ou cabeção)…Ora tal façanha desencadeou nas (ditas) redes sociais reações fundamentalistas, repudiando a presença de membros do clero em tais espetáculos e o que isso significa direta ou indiretamente… Os comentários foram entre o inverosímil e o escabroso, desancando nos ‘artistas’ e em quantos a eles possam estar associados, deixando, em resumo, os cristãos e a Igreja católica no lamaçal… Deste modo se pode perceber que bastará um inofensivo rastilho para desencadear um incêndio de proporções imprevistas…crepitante por parcas horas.

Talvez falte a estes como a outros intervenientes na tarefa da visibilidade da Igreja a consciência de que não basta olhar pelo retrovisor da aceitação nos tempos idos da cristandade em que tais sinais eram recorrentes e ainda tendo em conta alguma tolerância para com ‘pequenos’ incidentes na via pública e/ou privada… Hoje estamos todos sob escrutínio permanente, não nos sendo permitido o mais pequeno deslize, pois se uns até desculpam, outros são mais intransigentes em saltar a barreira da tolerância e despregam a ofender, a lançar suspeitas e a meter no mesmo saco bons e menos maus…só porque lhes parece tudo (e todos) o mesmo! 

= Por estes dias recordou-se a memória do falecimento do primeiro bispo de Setúbal. Notava-se, na assembleia de sufrágio, algo de tendencialmente a observar pelo retrovisor: uma boa parte dos leigos era do tempo de há mais de vinte anos… os clérigos presentes nem todos eram da época do pontificado do prelado desaparecido…nas raízes de fundamentação teológico-espiritual pareceu que nem todos estavam sintonizados para a frente…os tempos são outros e os intérpretes parecem menos ousados e comprometidos.

Nestas coisas da memória dos fastos ilustres corre-se o risco de entronizar faustos e de obnubilar as circunstâncias que fazem duns heróis e de outros figurantes na estória do tempo… Como referia um mestre na arte de interpretar as coisas humanas/teológicas, é preciso que passe suficiente tempo – dizia até dois anos – para nós e com os outros, sermos entendidos e que nos entendam, numa proporção de amadurecimento daquilo que somos e do que os outros entendem…

Efetivamente, o retrovisor nem sempre ajuda a discernir de forma correta e com visão de futuro!      

 

António Sílvio Couto

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