Há
situações – mais do que aquelas que seria desejável – envolvendo pessoas e
factos, muitos deles do passado e não tanto do presente, que fazem com que
tenhamos a sensação de se estar mais a olhar pelo retrovisor do que pelo para-brisas…
Sobretudo quando nesta atitude estão envolvidos cristãos, isso será, no mínimo,
questionável, pois nós caminhamos de olhos postos na meta e não meramente
tropeçados nas etapas, por mais gloriosas que elas tenham sido.
Por
muito aceitável que se pretenda proporcionar recordações de antanho, nós,
cristãos, temos no Evangelho ‘sentenças’ de grande alcance, que podem ser lema
de vida e mesmo que catapultaram tantos homens e mulheres da nossa História –
humana e de salvação – para viverem a entrega a Deus e aos outros ou dos outros
em Deus. Em muitas dessas frases é referido o desprendimento sem pretender
reconhecimento ou recompensa: depois de fazerdes tudo o que vos foi mandado,
dizei: somos servos inúteis, só fizemos o que devíamos fazer… O servo não é
mais do que o seu senhor… Se vos lavei os pés, sendo senhor e mestre, assim
deveis fazer uns aos outros… Quantas vezes sinto alguma repulsa por excessivos
agradecimentos, quando os intervenientes só fizeram o que lhes competia
fazerem, em razão da sua fé e do necessário compromisso com Deus, na Igreja,
para com os outros.
Num
tempo de salutar anticlericalismo podemos e devemos refletir sobre que tipo de
cristãos/católicos estamos a (re)produzir. Há demasiadas mentalidades
eclesiásticas e laicais que ainda se não aperceberam das mudanças operadas
dentro e fora dos círculos eclesiais. De diversas formas e outros tantos feitios
temos vindo a assistir à recuperação de sinais exteriores de relevância
eclesiástica que já não são descodificados pela maioria da sociedade
secularizada. Por vezes pode-se correr o risco dalgum ridículo, acirrando
contestações inúteis e quase despropositadas.
Trazemos
à liça um caso onde se configuram estas vertentes enunciadas: uns padres,
relativamente novos, acharam que deviam ir a uma corrida de toiros, vestidos
com o ‘clergyman’ (colarinho romano ou cabeção)…Ora tal façanha desencadeou nas
(ditas) redes sociais reações fundamentalistas, repudiando a presença de
membros do clero em tais espetáculos e o que isso significa direta ou
indiretamente… Os comentários foram entre o inverosímil e o escabroso,
desancando nos ‘artistas’ e em quantos a eles possam estar associados,
deixando, em resumo, os cristãos e a Igreja católica no lamaçal… Deste modo se
pode perceber que bastará um inofensivo rastilho para desencadear um incêndio
de proporções imprevistas…crepitante por parcas horas.
Talvez
falte a estes como a outros intervenientes na tarefa da visibilidade da Igreja
a consciência de que não basta olhar pelo retrovisor da aceitação nos tempos
idos da cristandade em que tais sinais eram recorrentes e ainda tendo em conta alguma
tolerância para com ‘pequenos’ incidentes na via pública e/ou privada… Hoje
estamos todos sob escrutínio permanente, não nos sendo permitido o mais pequeno
deslize, pois se uns até desculpam, outros são mais intransigentes em saltar a
barreira da tolerância e despregam a ofender, a lançar suspeitas e a meter no
mesmo saco bons e menos maus…só porque lhes parece tudo (e todos) o mesmo!
= Por
estes dias recordou-se a memória do falecimento do primeiro bispo de Setúbal.
Notava-se, na assembleia de sufrágio, algo de tendencialmente a observar pelo
retrovisor: uma boa parte dos leigos era do tempo de há mais de vinte anos… os
clérigos presentes nem todos eram da época do pontificado do prelado
desaparecido…nas raízes de fundamentação teológico-espiritual pareceu que nem
todos estavam sintonizados para a frente…os tempos são outros e os intérpretes
parecem menos ousados e comprometidos.
Nestas
coisas da memória dos fastos ilustres corre-se o risco de entronizar faustos e
de obnubilar as circunstâncias que fazem duns heróis e de outros figurantes na
estória do tempo… Como referia um mestre na arte de interpretar as coisas
humanas/teológicas, é preciso que passe suficiente tempo – dizia até dois anos
– para nós e com os outros, sermos entendidos e que nos entendam, numa
proporção de amadurecimento daquilo que somos e do que os outros entendem…
Efetivamente,
o retrovisor nem sempre ajuda a discernir de forma correta e com visão de
futuro!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário