Li, por
estes dias, uma nota digna de destaque: o Papa Francisco colocou, na porta seu
gabinete, um sinal associado à legenda: ‘proibido lamentar-se’.
O tal
cartaz terá sido oferecido ao Papa numa audiência na praça de São Pedro. Dada a
sintonia do Papa com tal proposta, ele colocou-o na porta do seu apartamento
pessoal. Como qualquer outra mensagem a sua explicitação diz que ‘os
transgressores sujeitam-se à síndrome de vitimização, com a consequente
diminuição do humor e da capacidade para resolver os problemas’.
O tal
cartaz terá sido usado pelo Papa Francisco no verão de 2017. Tanto quanto se
sabe esta recomendação – ‘proibido lamentar-se’ – deu origem ou teve origem num
livro dum psicoterapeuta italiano, tendo o Papa prefaciado a segunda edição,
trazida a público no primeiro trimestre deste ano.
= Apesar
de ser um tanto complexo, que poderá trazer-nos esta recomendação – ‘proibido
lamentar-se’, em forma quase de ironia? Não será que, uma boa parte de nós –
mesmo como cristãos – não transmitimos mais esta cultura do que o seu
contrário? Tão propensos que somos à lamentação/lamúria não teremos de corrigir
o nosso comportamento e as nossas atitudes? Não andaremos a conjugar o verbo
lamuriar-se em demasiadas formas e em tempos desnecessários? Para quando
assumiremos que temos de inverter esta tendência para o desgraçadismo nacional,
familiar e pessoal?
= Como
razoáveis portugueses que somos, de facto, vivemos mais na tendência para a
comiseração do que para vivermos em reação às contrariedades, sejam de maior ou
menor significação. É-nos mais fácil reportarmos às nossas mazelas – e com isso
tentarmos atrair alguma ‘compaixão’ de situação – do que tentarmos ultrapassar
a experiência amargurada pessoal, familiar, social e comunitária… Dá a
impressão que lidamos melhor com as desgraças dos outros e mesmo com as nossas
do que sabemos ultrapassar essa tentativa doentia em nos contentarmos com os
males e menos com o que corre bem. Figura na nossa conversa, com regularidade,
que vivemos melhor com os males (desgraças, infortúnios, insucessos e afins)
dos outros do que com o seu contrário…
Com que
normalidade falamos mais das dores pessoais e alheias do que das vitórias e dos
bons desempenhos dos outros. Pior: à lamentação mais ou menos controlada
tendemos a acrescentar maiores lamúrias, numa espécie de concorrência ao quanto
pior melhor. Se alguém ousa queixar-se que lhe dói isto (no corpo ou na dimensão
psicológica) temos tentação de acrescer, da nossa parte, algo que faça
parecer-nos ainda pior do que o nosso interlocutor…
= Numa
linguagem ‘religiosa’ até procuramos socorrer-nos das palavras da (quase)
lamurienta ‘salve rainha’ onde nos apresentamos ‘gemendo e chorando neste vale
de lágrimas’, modificando, por vezes, a palavra ‘degredados’ para ‘degradados’
não vá alguém não-suspeitar que estamos mesmo mal e cada vez pior...
No contexto
europeu talvez mereçamos um desejado prémio do povo mais lamuriento, seja lá o
que for, dá a impressão que não há ninguém mais por baixo do que nós. Se, no
passado, isso foi benéfico, por agora talvez não resulte ou não dê os
resultados esperados. Acrescente-se a isso que também já não somos levados a
sério nas desgraças vividas e difundidas. Deram-nos os meios, temos de
apresentar resultados credíveis e bem mais positivos…
Aquela
imagem bucólico ruralista com a legenda: ‘quem não chora, não mama’… já fez
época. Agora temos de olhar as coisas, as situações, as pessoas e os
acontecimentos de frente, com realismo e sem subterfúgios desadequados à
assunção das responsabilidades. Chegou a hora de sairmos do armário da lamúria
para o campo da afirmação do que há de positivo em nós e à nossa volta.
= Vamos
dobrar o ‘cabo das tormentas’, fazendo-o da ‘boa esperança’ nesta afirmação de
luta contra a lamúria e tudo quanto lhe está adstrito: que bom seria tornarmos
cada cristão uma sentinela contra a lamúria – Portugal iria rejuvenescer e
ganhar nova vida. Assim o vivamos e o sigamos, de verdade!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário