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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Será correto ‘dar’ os livros?


Com o regresso às aulas como que voltam certos temas e questões mais ou menos recorrentes à liça e talvez um tanto populistas, que deveriam levar-nos a refletir mais do que a aceitar de modo acrítico e sem exigir.

De entre as diversas iniciativas de âmbito escolar há uma que pode ser, pelo público, bem aceite, mas que talvez possa não ser tão correta como seria desejável: a dos livros gratuitos. Este projeto envolve a inscrição prévia para receber, posteriormente, vouchers; a distribuição dos ditos ‘manuais’… a todos os alunos/as do 1.º ao 6.º anos e, nalguns concelhos, até ao 12.º ano. Esta medida implica que os tais ‘manuais’ sejam devolvidos – pretende-se em bom estado de conservação – no final do ano letivo…

Atendendo a que todos os alunos matriculados e com as turmas publicadas podem ser sujeitos desta medida, será pedagógico dar, deste modo tão universal, os livros aos alunos, tenham ou não necessidade de os receber de forma gratuita? Não estarão os mentores desta medida – boa para uns, mas que poderá ser contraproducente para outros – a desresponsabilizar quem precisa e quem recebe a troco de nada? À boa maneira estalinista não estarão a comprar as pessoas com benesses não pedidas nem precisas?

- Para quem contesta – e nalgumas situações bem – uma certa mentalidade assistencialista, não deixa de ser revelador dum outro poder mais tentacular esta atitude paternalista estatal para com quem não pediu e se submete a tais a-preparos e condicionalismos… agora e no futuro. Algo se está a semear, mas poderá fazer vir a colher amargos frutos de vandalismo, mesmo para com o mobiliário público, que sendo de todos, não vincula ninguém. O princípio está lançado desde a mais tenra idade…

- Em meu entendimento a pior das consequências desta medida dos ‘manuais gratuitos’ poderá ser a negligência no cuidado para com os livros, que não custaram a comprar, porque dados e sem muito esforço ‘amados’. Com efeito, só quem teve de fazer sacrifício para comprar um determinado livro e depois ao tê-lo na mão, faz saborear o gosto da aquisição e a estima para com algo que tem muito de nós mesmos e do nosso esforço… Mesmo os livros escolares podem e devem ser tratados com carinho e estima, na medida em que através deles vamos descobrindo a vida, os seus mistérios e com eles caminhamos mesmo nas horas de aturado estudo… Como lembro, em recordação de leitor em princípio de caminhada, o sabor de ir cortando as folhas não aparadas de certos livros, na direta proporção da descoberta daquilo que estava escrito…Ainda hoje sinto o toque e o sabor dessa inesquecível vivência!

Por estas e outras razões considero uma espécie de atentado à boa gestão do processo educativo oferecer – ninguém dá nada a ninguém sem receber algo em troca – deste modo os livros, pois o que é dado nem sempre é tão gostoso nem amado.   

- Em contraponto não seria bem mais benéfico apostar na total gratuidade das refeições escolares, fazendo parte dum plano de alimentação que cuide da saúde infantil, juvenil e sénior? Porque muitas vezes vemos os mais novos a alimentarem-se com produtos de duvidosa qualidade, não seria preferível gastar proventos nesta matéria em vez do investimento nos livros gratuitos?

- É pena que certas figuras da cadeia de mando na área da educação não tenham vivido experiências de descoberta, impondo, em contrapartida, essa espécie de ‘fast-food’ cultural do mais fácil, mais rápido e, sobretudo, sem aprendizagem de estudar com esforço, por dedicação e com amor pelos livros e de quem os vai cozinhando com estima, verdade e vocação.

Livros dados, não, obrigado…nem por prémio dalgum concurso ou ‘jogos-florais’ baratos!    

 

António Sílvio Couto  


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