Com o
regresso às aulas como que voltam certos temas e questões mais ou menos
recorrentes à liça e talvez um tanto populistas, que deveriam levar-nos a
refletir mais do que a aceitar de modo acrítico e sem exigir.
De entre
as diversas iniciativas de âmbito escolar há uma que pode ser, pelo público,
bem aceite, mas que talvez possa não ser tão correta como seria desejável: a
dos livros gratuitos. Este projeto envolve a inscrição prévia para receber,
posteriormente, vouchers; a distribuição dos ditos ‘manuais’… a todos os
alunos/as do 1.º ao 6.º anos e, nalguns concelhos, até ao 12.º ano. Esta medida
implica que os tais ‘manuais’ sejam devolvidos – pretende-se em bom estado de
conservação – no final do ano letivo…
Atendendo
a que todos os alunos matriculados e com as turmas publicadas podem ser
sujeitos desta medida, será pedagógico dar, deste modo tão universal, os livros
aos alunos, tenham ou não necessidade de os receber de forma gratuita? Não
estarão os mentores desta medida – boa para uns, mas que poderá ser contraproducente
para outros – a desresponsabilizar quem precisa e quem recebe a troco de nada?
À boa maneira estalinista não estarão a comprar as pessoas com benesses não
pedidas nem precisas?
- Para
quem contesta – e nalgumas situações bem – uma certa mentalidade
assistencialista, não deixa de ser revelador dum outro poder mais tentacular esta
atitude paternalista estatal para com quem não pediu e se submete a tais
a-preparos e condicionalismos… agora e no futuro. Algo se está a semear, mas
poderá fazer vir a colher amargos frutos de vandalismo, mesmo para com o
mobiliário público, que sendo de todos, não vincula ninguém. O princípio está
lançado desde a mais tenra idade…
- Em meu
entendimento a pior das consequências desta medida dos ‘manuais gratuitos’ poderá
ser a negligência no cuidado para com os livros, que não custaram a comprar,
porque dados e sem muito esforço ‘amados’. Com efeito, só quem teve de fazer
sacrifício para comprar um determinado livro e depois ao tê-lo na mão, faz
saborear o gosto da aquisição e a estima para com algo que tem muito de nós
mesmos e do nosso esforço… Mesmo os livros escolares podem e devem ser tratados
com carinho e estima, na medida em que através deles vamos descobrindo a vida, os
seus mistérios e com eles caminhamos mesmo nas horas de aturado estudo… Como
lembro, em recordação de leitor em princípio de caminhada, o sabor de ir
cortando as folhas não aparadas de certos livros, na direta proporção da
descoberta daquilo que estava escrito…Ainda hoje sinto o toque e o sabor dessa
inesquecível vivência!
Por
estas e outras razões considero uma espécie de atentado à boa gestão do
processo educativo oferecer – ninguém dá nada a ninguém sem receber algo em
troca – deste modo os livros, pois o que é dado nem sempre é tão gostoso nem
amado.
- Em
contraponto não seria bem mais benéfico apostar na total gratuidade das
refeições escolares, fazendo parte dum plano de alimentação que cuide da saúde
infantil, juvenil e sénior? Porque muitas vezes vemos os mais novos a
alimentarem-se com produtos de duvidosa qualidade, não seria preferível gastar
proventos nesta matéria em vez do investimento nos livros gratuitos?
- É pena
que certas figuras da cadeia de mando na área da educação não tenham vivido
experiências de descoberta, impondo, em contrapartida, essa espécie de
‘fast-food’ cultural do mais fácil, mais rápido e, sobretudo, sem aprendizagem
de estudar com esforço, por dedicação e com amor pelos livros e de quem os vai
cozinhando com estima, verdade e vocação.
Livros
dados, não, obrigado…nem por prémio dalgum concurso ou ‘jogos-florais’ baratos!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário