Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Felizmente padre neste tempo


Decorreu por estes dias, em Fátima, o nono simpósio do clero de Portugal, sob o tema – ‘o padre, ministro e testemunha da alegria do Evangelho’.

Mais de quatro centenas de clérigos (bispos, padres e diáconos) de todas as dioceses portuguesas viveram em ambiente de partilha, de comunhão e de convivência entre as várias gerações de padres, sem ser tida em conta a sua procedência, formação ou mesmo sensibilidade eclesial. Num clima de formação (teológica, espiritual e humana) permanente estiveram presentes, entre outros, o perfeito e o secretário da Congregação do Clero, bem como especialistas da área eclesiástica sobre diversas matérias.

Atendendo à intoxicação (informativa e opinativa), que tem sido servida por parte dalguns órgãos de comunicação, na sessão de abertura do simpósio foi publicitada uma carta-mensagem do episcopado português, que foi endereçada ao Papa Francisco. Nesta mensagem, agradece-se a ‘carta ao Povo de Deus’, de 20 de agosto último, do sumo pontífice sobre o “drama do abuso de menores por parte de membros responsáveis da Igreja”. Numa atitude de comunhão com o Papa Francisco diz-se na mensagem: “também nós partilhamos o sofrimento do Santo Padre e de toda a Igreja e propomo-nos seguir as orientações para erradicar as causas desta chaga. Empenhar-nos-emos em incrementar uma cultura de prevenção e proteção dos menores e vulneráveis em todas as nossas comunidades”. 

= Ora, diante da vivência deste simpósio e das circunstâncias exteriores, desejamos exprimir alguns aspetos de índole pessoal, vocacional e eclesial.

- Quando tantos colocam sob suspeita muitos dos ministros da Igreja, extrapolando os erros, falhas, crimes ou pecados duns tantos, fazendo-os espargirem-se sobre todos indistintamente, parece que não podemos confundir a árvore com a floresta nem podemos obrigar todos a serem culpados daquilo de que só uma minoria é acusada.

- Quando se tenta lançar o labéu sobre a comunidade dos crentes, pela simples razão duns quantos ofenderem e envergonharem o resto, torna-se urgente ser um pouco mais sério e não confundir quem nada tem a ver com o assunto, embora os pecados pessoais empobreçam a comunhão de todos e de cada um…

- Quando se nota algum aproveitamento – dentro e fora do âmbito eclesial – de certas forças para tentarem atingir a pessoa, o ministério e a dimensão do Papa, é da mais elementar justiça saber distinguir o que tem sido o esforço de renovação, de profetismo e mesmo de desafios que Francisco tem trazido no parco tempo do seu pontificado – cinco anos – e as mudanças que com ele se deram na Igreja católica e no mundo… Talvez ele possa incomodar e não há como atingir o pastor e as ovelhas poderão dispersar-se! 

= É uma graça e um sinal divino ser padre neste tempo, pois muito daquilo que nos faz corresponder ao chamamento de Deus na Igreja católica é hoje mais do que nunca uma oportunidade de afirmar com a vida – nem sempre isenta de erros, falhas ou pecados – como Deus continua a precisar de nós para se fazer presente neste mundo. Não é por honrarias que aceitamos ser ordenados padres. Quem pensar – ou pior julgar – de forma diferente pode fazê-lo, mas não está a respeitar o que há de mais sagrado numa vocação sacerdotal ministerial: deixar-se ser instrumento divino e com isso caminhar com aqueles que Deus coloca no nosso caminho…mesmo que nem sempre nos compreendam ou até aceitem, como seria desejável.

Hoje, mais do que no passado da cristandade, aceitar ser padre de Jesus é despojar-se de regalias sociais e mesmo culturais. Hoje, mais do que num passado de religião social, torna-se desafiante prescindir de muitos dos proventos do clericalismo para ser tornar irmão com os irmãos, embora padre (pastor, guia e servidor) para eles. Hoje, mais do que num passado já longínquo, ser padre já não é promoção pessoal nem familiar, mas antes faz acreditar na necessidade de crescer na humildade pela competência, na verdade pela honestidade e na confiança pela autenticidade.

O que vi e gostei de observar no recente simpósio do clero foram padres e bispos com ar sereno e espírito de partilha. Numa palavra: não será tal comportamento indício de felicidade? Talvez haja óculos que precisam de ser limpos e olhos que necessitam de ser lavados…    

 

António Sílvio Couto 


 

Sem comentários:

Enviar um comentário