Recordo
que um dos quatro parâmetros das notas de comportamento – estávamos em finais
da década de 60 do século passado – era o da ‘civilidade’. Para quem era quase
criança essa palavra soava a esquisita. Com o tempo e as lições de educação
recebidas fui-me percebendo que civilidade vinha de ‘civitas’, que tem a ver
com o aprender a estar na cidade, refere-se à condição de cidadão – até por
contraste com pagão, o que vivia no ‘pagus’, no campo – e a uma panóplia de
requisitos para quem quer estar com os outros em relacionamento de respeito, de
boa convivência, seja pela normalidade de trato, seja pelas regras que advêm de
estarmos em sociedade.
Ora, o
que vi nos últimos tempos no espaço físico-geográfico em que vivo é tudo e o seu
contrário de civilidade, de civismo, de educação, de respeito pelos outros,
pelo ambiente, pela limpeza ou mesmo pelo mobiliário público… Dá a impressão
que muita gente faz da rua o espaço mais mal tratado da convivência consigo
mesma e com os demais, tornando-a um esterqueiro a céu-aberto, lançando toda a
forma de dejetos – a palavra é mesmo essa – para o espaço que é de todos e não
só de alguns, mesmo que possa ter a sua forma de ver, de viver e de estar.
Diante
deste ‘espetáculo’ de subdesenvolvimento – chamar-lhe terceiro-mundista seria
uma ofensa a quem viva nessas condições em razão da extrema pobreza e da falta
de condições de higiene – tentei aperceber-me das razões mais profundas e
generalizadas com que vimos a confrontar-nos cada vez mais e num maior número
de lugares, de situações e de condições.
Será que
um pequeno aumento de folga económica faz-nos tornar os outros – sobretudo os
que cuidam da nossa limpeza pública – limpadores daquilo que sujamos sem
respeito nem vergonha? Será que os sinais de sujidade pública são o retrato
duma negligência de higiene privada, tanto das pessoas, como das casas? Porque
se vai generalizando essa impunidade de sujar ou mesmo destruir as coisas
públicas, sem que as autoridades intervenham pela admoestação ou mesmo pela
repressão?
Agora
que se inicia um novo ano escolar não seria de introduzir mais claramente nas
escolas sessões de civilidade, de civismo e de cidadania – as palavras podem
ser parecidas mas contêm matérias diferentes – em ordem a educar, desde a mais
tenra idade, os cidadãos de amanhã, ensinando-se as regras básicas da
convivência, já que, parece, as famílias não o têm conseguido?
Não
podemos continuar a gastar imensos recursos em assuntos que são da mais básica
conduta de quem está com os outros. Urge, por isso, saber ler os sinais
emitidos por ocasião de grandes festas – particularmente se se prolongam por
vários dias – ou em ajuntamentos de pessoas. Nessas ocasiões como que sobe ao
consciente duma boa parte desse anónimo a quem chamam ‘povo’, uma espécie de
desculpa coletiva onde poucos se assumem como portadores dalguma civilidade e
se confundem na massa do faz-de-conta que ninguém vê, mas cujos resquícios se
percebem quando o tal anónimo se afasta do lugar onde esteve… Sinal disso e
talvez revelador de algo ainda pior é aquilo que fica no recinto do santuário
de Fátima, após dias de peregrinação: algo de imundo invade aquilo que se
pensaria podia e devia ser um lugar de educação, de civismo e de educação…em
função dos valores cristãos recebidos e dados!
Em
certos lugares de uso público é habitual vermos escrito: deixe como encontrou ou como gostaria de encontrar…colabore na limpeza
deste lugar… Estas e outras recomendações certamente já vimos e fizemos
como nos pediram. O problema é quando se abandalha o espaço público, tornando-o
alvo de menos agradável, criando condições para que se agrave a sujidade e se
revele que, quem por ali passou, não teve em consideração quem viria depois e
se degrada o que podia ser aprazível e útil a todos.
Há
lições da mínima educação que podem modificar o estado de coisas a que
chegamos, bastando que cada um de nós limpe, ao menos, um metro em volta da sua
porta, seja de casa, seja do seu prédio ou mesmo do perímetro da sua estatura.
Não podemos continuar a nada fazer, considerando que outros limparão o que
sujamos ou aquilo que nos compete a nós assear. Se considerarmos que cada um de
nós produz 1,2 Kg de lixo por dia, veremos a árdua tarefa de adquirirmos
hábitos que ajudem a fazer da nossa convivência diária uma batalha que não pode
ser dada por adquirida, mas dela cuidar todos os dias…
António Sílvio Couto
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