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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Fazer de surdo…sem ser mudo!


Novamente trazemos à liça a estória da corrida de sapos.

Fez-se, um dia, uma corrida cujos intervenientes eram sapos. O objetivo era atingir o ponto mais alto de uma torre. No local havia uma grande multidão a assistir. Havia quem aplaudisse e incentivasse os sapos na subida ao alto da torre. No entanto, o que mais se ouvia era: ‘Que pena! Os sapinhos não vão conseguir... não vão conseguir’! E os sapos começaram a desistir um a um... Só se manteve na competição um, que continuava na subida, cada vez mais cansado, mas tentando chegar mais alto. No final da corrida todos tinham desistido menos ele.

Ora a curiosidade tomou conta da assistência. Qual tinha sido o segredo de ele não ter desistido e de ter chegado ao alto da torre. Quando foram ver, perceberam como o sapo vitorioso tinha conseguido terminar a prova, descobrindo que aquele sapo era surdo! 

Não podemos confundir ser surdo com a possibilidade – normalmente ligada – de também ser mudo, pois nós repetimos o que ouvimos e, se não ouvimos minimamente, não será fácil sequer aprender a falar…corretamente.

Há, no entanto, pequenas nuances que poderão fazer com que ‘ser surdo’ não implique viver como mudo, isto é, podemos fazer-nos de surdos e não nos confinarmos a viver meramente em estado de mudez. Com efeito, em certas circunstâncias é útil e conveniente fazer-se de surdo, dando a entender que não se ouviu, embora se possa sentir vontade de ripostar. Noutros casos a melhor resposta é essa de se fazer de desentendido, deixando que o que é dito entre a 100 e saia a 200 sem nexo nem propriedade…neste setor se podem inserir muitas das ofensas e malquerenças com ou sem animosidade. Há situações em que é preferível fazer-se de surdo do que ouvir as insídias e animosidades de quem se entretém na maledicência, enterrando vivos e desenterrando mortos, pois, na maior parte dos casos vemos mais pundonores agravados do que observações com significado e conteúdo…

Estas considerações sobre a condição de surdez ou de mudez não têm, em nada, qualquer menosprezo sobre as pessoas que possam sofrer dessas limitações humanas e comunicacionais. Pelo contrário, estamos irmanados com quem sofre dessas condicionantes, dando atenção mais psicológica e emocional de quem se comporta como se fosse surdo sem sê-lo e toma atitudes de mudo sem tal ser a sua condição…real.

Efetivamente é atroz, por parte de certas pessoas que deviam intervir, o silêncio e o silenciamento a que são votadas por uma boa parte da comunicação social. Falamos da maioria dos nossos responsáveis eclesiais: vemo-los e ouvimo-los muito pouco a pronunciarem-se sobre temas de índole social, política e cultural. Dá a impressão que são mudos duma mudez ensurdecedora e inquietante. Muitas vezes os que falam deviam mais estar calados e os que tomam esta atitude podem confundir quem precisa duma palavra de estímulo, de orientação ou mesmo de compromisso. Alguns nem se fazem eco das posições do Papa, criando confusão, se estão verdadeiramente sintonizados com o Romano Pontífice. Os que são ouvidos – ou a quem dão espaço de intervenção ao sabor do mundo – parecem já estar fora de validade, pois recuam tanto no tempo que quase parecem mais arqueólogos de estilo do que profetas inquietados e inquietantes…para hoje. 

= Numa asserção que precisa de creditar a mensagem atualizada do cristianismo necessitamos, com urgência, de fomentar uma opinião pública mais clara e clarificada das posições dos que intervêm na vida pública, pois em muitos casos corremos o risco de promover mais a mediocridade do que a ousadia, de concordar mais com quem não diz nada do que com quem procura fazer pensar e ter posição bem fundamentada, de beneficiar quem anda a bajular o poder do que quem procura corrigir os erros e as anormalidades que derivam dos valores e critérios do Evangelho.

Não deixa de ser sintomático que, na maior parte dos milagres de cura de surdos, nos evangelhos, estes passem a falar mais corretamente e que a sua palavra seja para louvar Deus e a sua glória. Muitos dos mudos são-no por influência das coisas do mal. Assim sejamos livres de tanta surdez e libertados de muita da mudez… assumida ou tácita.    

 

António Sílvio Couto

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