Novamente
trazemos à liça a estória da corrida de sapos.
Fez-se, um dia, uma
corrida cujos intervenientes eram sapos. O objetivo era atingir o ponto mais
alto de uma torre. No local havia uma grande multidão a assistir. Havia quem
aplaudisse e incentivasse os sapos na subida ao alto da torre. No entanto, o
que mais se ouvia era: ‘Que pena! Os sapinhos não vão conseguir... não vão
conseguir’! E os sapos começaram a desistir um a um... Só se manteve na
competição um, que continuava na subida, cada vez mais cansado, mas tentando
chegar mais alto. No final da corrida todos tinham desistido menos ele.
Ora a curiosidade
tomou conta da assistência. Qual tinha sido o segredo de ele não ter desistido
e de ter chegado ao alto da torre. Quando foram ver, perceberam como o sapo
vitorioso tinha conseguido terminar a prova, descobrindo que aquele sapo era
surdo!
Não
podemos confundir ser surdo com a possibilidade – normalmente ligada – de
também ser mudo, pois nós repetimos o que ouvimos e, se não ouvimos minimamente,
não será fácil sequer aprender a falar…corretamente.
Há, no
entanto, pequenas nuances que poderão fazer com que ‘ser surdo’ não implique
viver como mudo, isto é, podemos fazer-nos de surdos e não nos confinarmos a
viver meramente em estado de mudez. Com efeito, em certas circunstâncias é útil
e conveniente fazer-se de surdo, dando a entender que não se ouviu, embora se
possa sentir vontade de ripostar. Noutros casos a melhor resposta é essa de se
fazer de desentendido, deixando que o que é dito entre a 100 e saia a 200 sem
nexo nem propriedade…neste setor se podem inserir muitas das ofensas e
malquerenças com ou sem animosidade. Há situações em que é preferível fazer-se
de surdo do que ouvir as insídias e animosidades de quem se entretém na
maledicência, enterrando vivos e desenterrando mortos, pois, na maior parte dos
casos vemos mais pundonores agravados do que observações com significado e
conteúdo…
Estas
considerações sobre a condição de surdez ou de mudez não têm, em nada, qualquer
menosprezo sobre as pessoas que possam sofrer dessas limitações humanas e
comunicacionais. Pelo contrário, estamos irmanados com quem sofre dessas condicionantes,
dando atenção mais psicológica e emocional de quem se comporta como se fosse
surdo sem sê-lo e toma atitudes de mudo sem tal ser a sua condição…real.
Efetivamente
é atroz, por parte de certas pessoas que deviam intervir, o silêncio e o
silenciamento a que são votadas por uma boa parte da comunicação social.
Falamos da maioria dos nossos responsáveis eclesiais: vemo-los e ouvimo-los
muito pouco a pronunciarem-se sobre temas de índole social, política e
cultural. Dá a impressão que são mudos duma mudez ensurdecedora e inquietante.
Muitas vezes os que falam deviam mais estar calados e os que tomam esta atitude
podem confundir quem precisa duma palavra de estímulo, de orientação ou mesmo
de compromisso. Alguns nem se fazem eco das posições do Papa, criando confusão,
se estão verdadeiramente sintonizados com o Romano Pontífice. Os que são
ouvidos – ou a quem dão espaço de intervenção ao sabor do mundo – parecem já
estar fora de validade, pois recuam tanto no tempo que quase parecem mais
arqueólogos de estilo do que profetas inquietados e inquietantes…para hoje.
= Numa
asserção que precisa de creditar a mensagem atualizada do cristianismo necessitamos,
com urgência, de fomentar uma opinião pública mais clara e clarificada das
posições dos que intervêm na vida pública, pois em muitos casos corremos o
risco de promover mais a mediocridade do que a ousadia, de concordar mais com
quem não diz nada do que com quem procura fazer pensar e ter posição bem
fundamentada, de beneficiar quem anda a bajular o poder do que quem procura
corrigir os erros e as anormalidades que derivam dos valores e critérios do Evangelho.
Não
deixa de ser sintomático que, na maior parte dos milagres de cura de surdos,
nos evangelhos, estes passem a falar mais corretamente e que a sua palavra seja
para louvar Deus e a sua glória. Muitos dos mudos são-no por influência das
coisas do mal. Assim sejamos livres de tanta surdez e libertados de muita da
mudez… assumida ou tácita.
António Sílvio Couto
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