Por
entre as coisas que nos acontecem – de forma ativa ou de modo passivo –
encontramos tantos casos que precisam de aferição para que sejam algo mais do
que uma mera banalidade. Por vezes há expressões e frases que ressoam na nossa
mente e que podem fazer eco de outras realidades…
Quando
numa oração/jaculatória de influência mariana se diz: ‘principalmente as que
mais precisarem’ como que se faz uma alusão a um grupo restrito, de onde se
excluem uns tantos, que se podem autoconsiderar não necessitados e, porventura,
com propensão para um certo orgulho senão for mental ao menos espiritual.
Dado que
a frase – ‘principalmente as que mais precisarem’ – pode atingir situações
diversas, vamos abordar o problema mais como exame de consciência do que como
denúncia e/ou lição a dar:
* Por
estes dias participei – como de costume – nas jornadas de formação do clero das
dioceses ao sul do Tejo. Éramos cerca de cem padres e diáconos. Notava-se, no
entanto, algumas lacunas sobretudo nas faixas etárias mais novas… Certamente
não precisam…sabem muito e mais do que os ignorantes participantes e também não
têm tempo a perder com mestres a quem teriam antes de ensinar! Mas como se
poderá compreender que se possa desperdiçar oportunidades de aprender, de rever
conceitos e de aferir linguagens? Os que participaram nestas (como noutras)
jornadas são quase sempre os mesmos, são ‘principalmente os que mais precisam’!
Com efeito, como se poderá estar em sintonia com as propostas da Igreja
universal – a presença dum cardeal de Roma é mais do que decorativa – ou com os
desafios de cada diocese, se, na hora da humildade, o que vence é a
autossuficiência, a rotina e o tradicionalismo? Não será que ‘principalmente os
que mais precisam’ – embora ausentes – não deveriam obrigar os responsáveis das
dioceses a questionar os lugares em que os colocam, pois se não estão concordes
na aprendizagem da doutrina como poderão estar acertados na pastoral e na
disciplina?
* Nas
paróquias vive-se um clima idêntico: ‘principalmente os que mais precisam’ não
são os que aproveitam as propostas de formação e de coordenação dos serviços.
Quanta ignorância – em jeito de brincadeira há quem a considere o ‘oitavo
sacramento’ – se manifesta em tantos dos nossos serviços, grupos e movimentos!
Há setores da vida paroquial que continuam aferrados a ritmos cíclicos, mas que
não passam da reprodução de saberes bolorentos e com cheiro a bafio. O refúgio em
certas devoções – umas mais antigas e outras recentemente recauchutadas como
salvadoras sem nexo – dá-nos o quilate de quem as promove, de quem nelas
participa ou de quem nelas se ilude… Esses seriam ‘principalmente os que mais
precisam’ de renovar as suas certezas e os seus critérios de pertença à Igreja!
*
Atendendo a que todos precisamos de aprender – mesmo pelo estudo e a formação
continuamente continuada – ao longo da vida, torna-se inquestionável que
‘principalmente os que mais precisam’ são aqueles que, embora com instrução
suficiente para exercerem a profissão – ou até na expressão duma vocação – devem
estar em contínua formação, não deixando de estudar e de querer aprender a
saber dizer o que se aprendeu em linguagem que se adeque àqueles com quem
tratam ou sobre os quais têm responsabilidade de fazer crescer na fé. De facto,
não basta saber umas coisas de Bíblia para sermos capazes de a interpretar
correta e atualizadamente. O recurso a um certo fundamentalismo bíblico só
denota incompetência, má formação e falta de estudo das matérias. Também a
necessidade de leitura, de reflexão e de consciência dos documentos da Igreja –
do Papa, da conferência episcopal, dos bispos e dos teólogos – exibe tempo e
dedicação. Com efeito, neste afã de querer fazer o urgente, depreciando o
necessário, faz com que ‘principalmente os que mais precisarem’ possam estar
fora do lugar e a entreterem-se com coisas importantes, mas nem sempre as mais essenciais!
= Na
jaculatória ensinada, em Fátima, por Nossa Senhora: ‘…levai as almas para o Céu
e socorrei, principalmente, as que mais precisarem’, dá-se-nos uma certa
propensão para colocar ao cuidado de Deus, por Nossa Senhora, quem possa estar
precisado da misericórdia divina…sobretudo em condição terrena!
António Sílvio Couto
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