‘Pato e
parente só serve para sujar a casa da gente’. Este adágio brasileiro – como
sotaque carregado nos ‘tês’ – poderá ter correspondência a outros, como: ‘amigo
a gente escolhe, parente a gente atura’; ‘pato suja, parente pede dinheiro emprestado’…
Embora
esta frase possa ter muitas outras correspondências às situações da vida,
podemos e devemos tentar encontrar algo que nos possa explicitar o que está
contido nesta frase…um tanto depreciativa para com quem nos possa incomodar,
seja de forma direta (o parente) ou de modo intrometido (como o pato)…por entre
tantos momentos da nossa vida e da experiência que dela colhemos com sabedoria
e maturidade.
= Desde
logo é preciso destoar da banalidade para entendermos as pessoas que Deus
colocou no nosso caminho, não só as de hoje, mas também tantas outras com quem
nos cruzamos, nas mais diferentes circunstâncias de estudo, de trabalho, de
convívio…em viagem, no quotidiano normal, em razão dos lugares onde (já)
vivemos, pelas condicionantes que nos fizeram encontrar. Como é habitual
referir-se a capacidade de esquecimento é um dos bons fatores da nossa vida,
pois se fôssemos armazenando todos os conteúdos e pessoas do nosso passado não
conseguiríamos sobreviver à complexidade do nosso mais ou menos longo existir.
Assim, há pessoas que não lembramos, há pessoas que nos marcaram (positiva ou
negativamente), há lembranças que nos aferem a boas experiências, há
recordações que nos podem (até) ter traumatizado… A memória do que somos está
marcada por imensas experiências daquilo que vivemos e que podem servir-nos de
defesa ou de abertura… a novos relacionamentos humanos, cívicos ou espirituais.
= Por
entre a efemeridade da vida tem vindo a desenvolver-se uma nova forma de trato
entre as pessoas: os ‘amigos/as’ do facebook, desde os já aceites até aos
pretendentes a sê-lo; desde os mais normais e conhecidos até aos bizarros e
desconhecidos, que se insinuam para fazerem parte da rede de amizade… Numa
declaração de princípio: não faço parte dessa (pretensa) ‘rede social’ nem
pretendendo vir a ter ‘amigos/as’ por essa vertente!
Considero,
no entanto, que muita gente poderá sentir-se muito ‘acarinhada’ por essa turba
de ‘amigos/as’, mesmo que não passem de figuras decorativas ou meramente
virtuais, embora possam tornar-se – como sói dizer-se – virais. Conta-se de
alguém que tinha mais de meio milhar de ‘amigos/as’ faceboquianos, mas quando morreu
estava sozinho na sala de velório! Ilusão, a quanto obrigas!
= Pelas
mais diversas razões – mesmo a da mobilidade humana – há circunstâncias em que os
vizinhos estão muito mais presentes do que os familiares. Estes podem estar
noutras localidades, podem viver noutros ritmos de vida e/ou de interesses. Os
vizinhos são, assim, uma espécie de família de afetos e não de sangue direto.
Não deixa de ser interessante que nos adágios populares se diga: Deus nos livre
do invejoso e do mau vizinho ao pé da porta!
Há até,
no calendário dos dias especiais, o ‘dia dos vizinhos’, celebrado nalguns
países, na última terça-feira do mês de maio…
Diante
da importância dos vizinhos torna-se também essencial não perder de vista ou de
contato os familiares, na medida em que estes são as nossas raízes mais
próximas e revelam os laços mais profundos duma história construída em comum…
Assim, à
luz da frase que motivou esta breve reflexão: ‘pato e parente só serve para
sujar a casa da gente’, deixamos algumas questões:
*
Teremos capacidade de acolhimento a quem nos visita?
* Damos
importância aos sinais de unidade ou fomentamos as quezílias e os
ressentimentos?
*
Vivemos em abertura à diferença ou preferimos a nossa ‘bolha’ onde estranhos
não têm lugar?
* Com a
difusão e cultivo de tantos ‘animais de estimação’, onde caberá a hospitalidade
e o bom ambiente familiar?
*
Seremos ou teremos uma família aberta desde tenra idade ou favorecemos a
exclusão dos incómodos?
António Sílvio Couto
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