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quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Legislar em seu favor


Vivia-se a penumbra do Natal e eis que numa sessão hiper-rápida o parlamento fez jus àquilo que o devia envergonhar: aprovaram os deputados a mudança na ‘lei de financiamento dos partidos políticos’… Quase tudo esteve em banho-maria até que o presidente da república vetou o assunto nos primeiros dias deste ano…  

– Já não é pouco que o assunto seja de autoria dos beneficiários, mas parece que se torna ainda mais acintoso que o façam melhorando, substancialmente, as condições de acesso aos meios económicos que os possam suportar. Do espetro representado no parlamento só dois partidos destoaram deste unanimismo, chegando alguns – ditos de inspiração à esquerda – quase a considerarem uma espécie de traição que estes dois se venham agora arvorar em paladinos duma ética republicana, que, por ser tão concordante, quase se torna ofensiva desses valores igualitários propagandeados mas não seguidos…  

– Dá a impressão que ainda não se enfrentou a questão de fundo que este assunto, levado à socapa à votação, mas amadurecido em quase ano de reuniões secretas entre todos os intervenientes, que é o do financiamento dos partidos políticos: com fundos do estado, com subvenções privadas, gerando e gerindo meios próprios dos partidos ou aceitando contributos de particulares e até que montante…

A lei orgânica sobre o assunto é de 2003… com várias anotações e correções em anos subsequentes: 2008, 2010, 2013, 2015 e 2017…

Das receitas próprias para o financiamento dos partidos políticos se faz uma lista de sete situações, salvaguardando a obrigatoriedade de ser depositada em cheque ou noutro meio bancário de controlo que permita identificar a procedência do montante… Este montante, quando envolva donativos de pessoas singulares, nunca poderá ultrapassar, ao longo dum ano, vinte e cinco salários mínimos mensais.

Dos meios de subvenção estatal enumeram-se o pagamento de cada voto recebido pelo partido, tendo em conta o resultado eleitoral – cada voto vale, em média, 3,15 euros – mesmo que não tenha sido eleito nenhum deputado, mas possa ter angariado mais de cinquenta mil votos, desde que requeiram isso ao presidente da assembleia da república.

A angariação própria de fundos dos partidos políticos não pode exceder, anualmente, mil e quinhentas vezes o valor do IAS (indexante dos apoios sociais) – neste ano é de quatrocentos e vinte e oito euros e noventa cêntimos – salvaguardando que o produto da angariação de fundos resulta da diferença entre as receitas e as despesas em cada atividade de angariação de fundos…

A dita lei orgânica apresenta ainda (no artigo 10.º) os benefícios para os partidos: não estão sujeitos a IRC e estão isentos de imposto de selo, de sucessões e doações, de IMI, do imposto automóvel, do IVA (sobre aquisição de bens e serviços, que envolvam a transmissão da sua mensagem política), das taxas de justiça e de custas judiciais.  

– As ‘grandes mudanças’ desejadas pela nova lei pretendiam envolver a alteração dos montantes auferidos pelas iniciativas de angariação de fundos e o alargamento do benefício da isenção do IVA a todas as atividades partidárias.

Para fundamentar o veto presidencial foi aduzido que faltou ‘fundamentação publicamente escrutinável’ quanto ao assunto… Agora que já se discutiu a ‘coisa’ será que vai mudar a posição do Presidente ou a dos partidos tão ‘necessitados’ de novos fundos e recursos?

Seja qual for a solução encontrada, dá a impressão que ficou bastante mal o tema incluído um tanto à revelia na vida política, tão necessitada de credibilidade. Isto também não ajudou à sua credibilização. Seria como mudar as regras de jogo para que os contendores possam tirar benefício das jogadas que o público não conhece, não percebe e está desmotivado para querer entender…

A arte da política não precisa de espertos, que tentem ludibriar os mais incautos, antes tem de fazer-se creditar pelas atitudes de serviço aos outros e não servindo-se da ignorância dos outros. Não basta parecer sério, é preciso ser mesmo muito sério. Verdade a quanto obrigas!

 

António Sílvio Couto  



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