Se
quisermos encontrar alguém que simbolize esta onda de simpatia volátil
poderemos servir-nos do cantautor português que venceu o festival da eurovisão
deste ano: emissário nacional num processo que teve tanto de inédito quanto de
esquisito; executante vitorioso numa campanha orquestrada em surdina; aclamado
como ‘herói’ na receção de regresso ao país; exaltado por aduladores das mais
diversas áreas e tendências; brejeiro num espetáculo sentimental após a vaga de
incêndios; retira-se de cena para entregar o corpo aos cuidados da ciência…
O
itinerário deste cantautor poderá ler-se como simbólico da vida do nosso país
nos tempos mais recentes: quando menos se espera em sentido contrário, algo
consegue encobrir a má execução com certos laivos de simpatia, que mais parece
um fábula do que uma história de bom-sucesso.
* Têm
vindo a vender-nos – ou será antes a impingir-nos? – uma prosperidade que tem
alicerces de areia, levantada em construções de papel, onde os vários
compartimentos funcionam como alçapões de interesses mais ou menos mal
disfarçados, por entre suspeitas duns tantos sobre outros mais…
* Numa
espécie de narcotização generalizada vemos proliferar um discurso de que quem
está sem nunca ter cometido erros nem sem ter estado noutras situações de
descalabro…até que se descubra a mentira ou a inoperância por incapacidade em
saber gerir, governar e decidir de forma igual sem se tornar igualitária…
* Tal
como no caso do estrondoso sucesso do cantautor, assim em certas autarquias e
noutras formas de governação, até os falhanços – algo escabrosos e provocadores
– funcionam para que haja aplausos de apaniguados (quase) acríticos num
fideísmo atroz e nitidamente irracional…
= Vejamos,
mesmo que sucintamente, campos onde a capacitação económica tem servido de
lenitivo ou está a ser engano geral e/ou generalizado:
- O
turismo tem servido de tábua de salvação para a insuficiência do desempenho
económico noutros setores. Essa ‘galinha dos ovos de ouro’ pode fechar-se a
médio e curto prazo. Bastará que outros destinos retomem a segurança na oferta
e facilmente ficaremos sem proventos. Se atendermos ainda à inconsistência do
turismo – gasta produção, mas não dá produtividade sustentável – poderemos ver
ruir muitos sonhos de exploradores e de clientes da matéria…
- O
imobiliário, assente numa construção civil quase defunta, poderá ficar saturado
e em sério perigo… bastará que sejam pagos os devidos impostos e a sua
exploração e entraremos em colapso, com um desemprego acentuado e crescente…
Sol e mar não serão suficientes para atrair visitantes e investidores sérios,
capazes e com capital não-descartável…
- As
tentativas de enriquecimento pelo recurso ao jogo são uma espécie de tentativa
de ser rico sem grande esforço, denunciando quase um vício de se tornar
milionário não pelo trabalho – este raramente faz tal ‘milagre’ – mas pela
forma mais fácil e sem esforço. Há quem viva nessa expetativa quase desmedida e
ao sabor da sorte…toda uma vida de ambição e de ansiedade.
= Dado
que não queremos viver na mentira – nem pessoal nem social – parece-me que
seria bom que caísse a máscara com que nos queremos tantas vezes iludir e
enganar. Não precisamos de mais projetos dos que querem viver ou prolongar-se
no poder pelo engano ou a manipulação, pela desistência ou a abstenção e tão
pouco pelas promessas e o favorecimento dos apoiantes e dos adeptos mais ou
menos fiéis.
É
preciso dizer basta aos que se deixam vender e aos que se expõem à compra,
tanto a mais subtil como a mais capciosa e ardilosa. Parafraseando a sabedoria
do nosso povo, diremos: quando a simpatia é muita, o pobre desconfia ou devia
desconfiar!
Não
podemos permitir que a dignidade seja vendida por um par de sorrisos nem que
nos façam passar todos por papalvos, sem que sejam escrutinados na hora da
decisão popular.
Etimologicamente
‘simpatia’ vem de ‘sunpatos’, isto é, ‘sofrer com’… Ora a evolução semântica do
termo fez-nos olhar para esta palavra mais como ‘apresentação de sorrisos’,
como se estes fossem um atropelo à capacidade de sofrer com os outros,
partilhando com eles um sorriso sincero, honesto e leal!
António Sílvio Couto
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