No
escasso espaço de três semanas faleceram dois bispos, ambos na região do Porto:
D. António Francisco dos Santos a 11 de setembro e D. Manuel Martins a 24 de
setembro… um era titular da diocese portuense e tinha 69 anos, o outro era bispo
emérito de Setúbal e tinha 90 anos… Cada um a seu modo deixou marcas entre o
povo que serviram e, na hora do falecimento, emergiram muitas das raízes que os
conduziram realmente na vida…
Com
personalidades distintas e com quase vinte anos de diferença, D. António e D.
Manuel foram – e continuarão a ser – luzeiros que podem ritmar a vivência da fé
cristã, na sua expressão católica, pois ambos fizeram da atenção aos outros,
sobretudo aos mais fragilizados, o centro das suas tarefas pastorais e de intervenção
na vida política…
Desengane-se
quem pense rotular um e outro com colorações do arco-íris, pois não precisarão
de tais colagens e alguns dos elogios de forças partidárias e ideológicas soam
a oportunismo e talvez com interesses que ambos souberam sacudir durante a vida
e aos quais não gostaríamos que fossem associados depois da morte. Para uns
tantos as ações no âmbito do social destes dois bispos parecem caraterizar o
que deles se possa dizer de forma redutiva. Eles foram muito mais do que
intervenções de cariz social, pois isso decorria da sua fé, que via nos mais
pobres, desprotegidos e marginalizados o rosto sofredor de Cristo… Este sim,
era – notava-se nas palavras e nos gestos de ambos – quem os obrigava a
intervir e não a mera conjuntura social e política, com que alguns pretendem
interpretar as suas vivências pastorais.
= De D.
António muito se disse nos dias subsequentes ao seu falecimento, mas ficou na
memória essa frase do atual arcebispo de Braga, com que o falecido trabalhou na
diocese: era alguém que deixou o povo a cheirar a bispo… Isto diz muito daquilo
que foi designado como a bondade de D. António nas várias dioceses que serviu
como padre e como bispo. Duriense de nascimento fez-se por entre vicissitudes
na emigração e caldeou o seu saber humano com a sabedoria divina, até ao tempo
em que foi chamado a estar na responsabilidade das dioceses por onde passou:
Braga, Aveiro e Porto…
D.
António era, de facto, um homem que a todos cativava pela capacidade de ter uma
palavra para com cada interlocutor, normalmente, elogiosa, oportuna e sábia…
= Por
seu turno, D. Manuel ‘nasceu bispo em Setúbal’ – foi na Sé que foi ordenado e
como ele costumava dizer – e sempre levou esse amor episcopal setubalense por
onde passou… dentro e fora das fronteiras. Marcou o ritmo da Igreja nesta
diocese e fez de cada palavra sua um grito profético: audaz, ousado e perspicaz…
tanto para crentes como para não-crentes.
D.
Manuel foi o cabouqueiro desta diocese de Setúbal, pois, além das bases que
lançou, deu-lhe o ritmo de vivência da fé encarnada e simbolicamente vivida com
as mãos sujas do fazer pelos outros o que a fé o impelia a traduzir… mesmo fora
dos holofotes da comunicação social.
Dos
parcos meses que o tive como bispo – cheguei a esta diocese em outubro de 1997
e ele saiu em junho de 1998 – e reconhecendo o modo como me acolheu – talvez se
lembrasse do modo como foi aceite em 1975 – pude ver que era um homem simples e
arguto, capaz de dizer com uma interjeição o que um discurso inteiro de outros
não conseguia. Notava-se que D. Manuel tinha sempre um objetivo naquilo que
fazia pela arte de levar-nos a descobrir o significado das coisas e com
capacidade para além do pretensamente sabido… Construiu um estilo que
dificilmente será imitado!
Agora,
com o seu passamento, se cumpriu o pedido que encimava os seus escritos anos a
fio no jornal diocesano: ‘Posso entrar’. Com efeito, pedia licença para entrar,
mas já estava cá dentro… Talvez tenha dito o mesmo a São Pedro e esperamos que
o ‘porteiro do Céu’ lhe tenha respondido com aquela mesma arte com que D.
Manuel nos comunicava as suas preocupações de renovação e de autenticidade,
traduzindo inquietação serena, quando o líamos semanalmente…
= Dois
bispos que foram à nossa frente. Assim consigamos imitá-los seguindo e vivendo,
hoje, o Evangelho!
António Sílvio Couto
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