Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Ei-los que partem…


 
No escasso espaço de três semanas faleceram dois bispos, ambos na região do Porto: D. António Francisco dos Santos a 11 de setembro e D. Manuel Martins a 24 de setembro… um era titular da diocese portuense e tinha 69 anos, o outro era bispo emérito de Setúbal e tinha 90 anos… Cada um a seu modo deixou marcas entre o povo que serviram e, na hora do falecimento, emergiram muitas das raízes que os conduziram realmente na vida…

Com personalidades distintas e com quase vinte anos de diferença, D. António e D. Manuel foram – e continuarão a ser – luzeiros que podem ritmar a vivência da fé cristã, na sua expressão católica, pois ambos fizeram da atenção aos outros, sobretudo aos mais fragilizados, o centro das suas tarefas pastorais e de intervenção na vida política…

Desengane-se quem pense rotular um e outro com colorações do arco-íris, pois não precisarão de tais colagens e alguns dos elogios de forças partidárias e ideológicas soam a oportunismo e talvez com interesses que ambos souberam sacudir durante a vida e aos quais não gostaríamos que fossem associados depois da morte. Para uns tantos as ações no âmbito do social destes dois bispos parecem caraterizar o que deles se possa dizer de forma redutiva. Eles foram muito mais do que intervenções de cariz social, pois isso decorria da sua fé, que via nos mais pobres, desprotegidos e marginalizados o rosto sofredor de Cristo… Este sim, era – notava-se nas palavras e nos gestos de ambos – quem os obrigava a intervir e não a mera conjuntura social e política, com que alguns pretendem interpretar as suas vivências pastorais. 

= De D. António muito se disse nos dias subsequentes ao seu falecimento, mas ficou na memória essa frase do atual arcebispo de Braga, com que o falecido trabalhou na diocese: era alguém que deixou o povo a cheirar a bispo… Isto diz muito daquilo que foi designado como a bondade de D. António nas várias dioceses que serviu como padre e como bispo. Duriense de nascimento fez-se por entre vicissitudes na emigração e caldeou o seu saber humano com a sabedoria divina, até ao tempo em que foi chamado a estar na responsabilidade das dioceses por onde passou: Braga, Aveiro e Porto…

D. António era, de facto, um homem que a todos cativava pela capacidade de ter uma palavra para com cada interlocutor, normalmente, elogiosa, oportuna e sábia… 

= Por seu turno, D. Manuel ‘nasceu bispo em Setúbal’ – foi na Sé que foi ordenado e como ele costumava dizer – e sempre levou esse amor episcopal setubalense por onde passou… dentro e fora das fronteiras. Marcou o ritmo da Igreja nesta diocese e fez de cada palavra sua um grito profético: audaz, ousado e perspicaz… tanto para crentes como para não-crentes.

D. Manuel foi o cabouqueiro desta diocese de Setúbal, pois, além das bases que lançou, deu-lhe o ritmo de vivência da fé encarnada e simbolicamente vivida com as mãos sujas do fazer pelos outros o que a fé o impelia a traduzir… mesmo fora dos holofotes da comunicação social.

Dos parcos meses que o tive como bispo – cheguei a esta diocese em outubro de 1997 e ele saiu em junho de 1998 – e reconhecendo o modo como me acolheu – talvez se lembrasse do modo como foi aceite em 1975 – pude ver que era um homem simples e arguto, capaz de dizer com uma interjeição o que um discurso inteiro de outros não conseguia. Notava-se que D. Manuel tinha sempre um objetivo naquilo que fazia pela arte de levar-nos a descobrir o significado das coisas e com capacidade para além do pretensamente sabido… Construiu um estilo que dificilmente será imitado!

Agora, com o seu passamento, se cumpriu o pedido que encimava os seus escritos anos a fio no jornal diocesano: ‘Posso entrar’. Com efeito, pedia licença para entrar, mas já estava cá dentro… Talvez tenha dito o mesmo a São Pedro e esperamos que o ‘porteiro do Céu’ lhe tenha respondido com aquela mesma arte com que D. Manuel nos comunicava as suas preocupações de renovação e de autenticidade, traduzindo inquietação serena, quando o líamos semanalmente…

 

= Dois bispos que foram à nossa frente. Assim consigamos imitá-los seguindo e vivendo, hoje, o Evangelho!  

 

António Sílvio Couto



Sem comentários:

Enviar um comentário