Por
ocasião da ‘jornada da caridade’ – proposta para ser vivida no passado dia 5 de
setembro – o jornal católico francês ‘La croix’ apresentou uma entrevista com
uma psicanalista, na qual era questionada a capacidade de as crianças poderem
manifestar, de forma espontânea, a generosidade e o altruísmo, isto é, de as
crianças naturalmente poderem revelar tais qualidades…
Atendendo
às etapas de desenvolvimento da criança podemos perceber que, antes de mais, a
criança tem necessidade de ‘possuir’ para crescer e se ir construindo… Até aos
três anos a criança vai tomando consciência da sua individualidade, descobrindo
também os outros e que eles têm necessidades diferentes até das suas: ela
recebe, mas também dá. Nas palavras da técnica ouvida, ‘será percebendo aquilo
de que precisa que a criança desenvolverá uma verdadeira generosidade
fundamentada sobre o desejo de dar’.
Será,
sobretudo, no relacionamento com a injustiça que a criança fará tal
aprendizagem. Segundo a leitura desta psicanalista, ‘a criança terá tendência a
ser influenciada pelos modelos que ela tem à sua volta. Se a sua envolvência é
generosa, ela terá tendência a viver isso’. O mesmo se diga – considera a
técnica escutada pelo jornal ‘La croix’ – da forma como é educada na fé. A
criança ‘pode também rezar por aqueles que vivem na rua. Colocando a oração no
centro da vida, ela compreenderá que pode agir, rezando e partilhando. O
essencial é que o seu [da criança] gesto ou a sua intenção continuem livres’.
Como última recomendação sobre este assunto a referida psicanalista realça que
‘não devemos esquecer que uma criança tem necessidade de segurança para
crescer, tendo o dever de enfrentar as misérias da vida’.
= Quando
vemos, no processo de educação, um excesso de protecionismo às crianças,
deveremos questionar se aquilo que estamos a fazer fará crescer em maturidade
as nossas crianças ou se, pelo contrário, não estaremos a infantilizá-las ainda
mais? Não será – usando uma linguagem um tanto popular – com ‘paninhos quentes’
que iremos construir homens e mulheres com um futuro sadio e comprometido uns
com os outros. E aqui entra a formação da fé, inserida numa pedagogia onde os
valores são semeados, tendo em conta os critérios dos educadores. Estes não
podem descartar a sua responsabilidade nem deixar à escola esta tarefa que tem
o seu alicerce, incontornável e inconfundível, na família. Com efeito, aos pais
– que são muito mais do que progenitores (a ou b, na teoria do género) –
compete esta responsabilidade de educar, com tudo quanto isso implica de
assunção do compromisso para com os seres que geraram. Não podem os pais
pretender gerir o processo intelectual de aprendizagem, descurando a urgência
educativa para os valores, segundo uma ética/moral decorrente da sua própria
educação.
Os
filhos/as serão egoístas ou generosos, se tal virem e receberem de seus pais.
Os filhos/as terão atenção aos outros, se o receberem como que por osmose isso
de quem os alimenta na dimensão biológica e psicológica. Os filhos/as são o
retrato sem fotoshop, isto é, sem retoques e remendos, daquilo que absorvem de
seus pais.
= Mesmo
sem deixarmos resvalar a nossa interpretação para questões de acusação, parece
que as nossas crianças são muito pouco dadas a estar em atitude de
generosidade… à exceção de certas épocas do ano, como no Natal ou por ocasião
de tragédias mais relevantes. Talvez tenhamos vindo a construir um futuro mais
egocêntrico, mesmo naquilo que se refere às crianças. Bastará ver a opção pelo
‘filho único’ com tudo quanto isso tem de complexo e quase perigoso. Ser o
‘centro’ de tudo e de todos poderá não ser boa influência para quem tem de
estar em confronto com outros, desde a mais tenra idade… podendo inculcar na
criança que, no ‘seu mundo’, tudo gravita à sua volta… Ora, isso é desmontado
com alguma facilidade e até traumatismo, pois muitos outros ‘eus’ se digladiarão
nas várias etapas da vida duma pessoa…
Na
medida em que se vá fazendo a experiência da partilha, logo desde a família,
tudo se torna mais simples e até educativo: aí aprendemos a ceder, a
compartilhar, a cuidar e a amparar-nos uns aos outros. Por isso, ter mais do
que um irmão é algo benéfico para a maturidade e sanidade de todos… até dos
próprios pais.
Pelas
discussões públicas que vemos e ouvimos, o complexo de inferioridade com que os
outros são tratados revelam que há muita gente tão egoísta que não aprendeu a
crescer pelo saber dar atenção aos outros, mesmo aos mais desfavorecidos… que
podemos vir a ser nós mesmos a muito curto prazo!
António Sílvio Couto
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