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terça-feira, 9 de maio de 2017

Peregrinos em conversão?


Por estes dias temos visto e ouvido muitas intervenções de pessoas que vão – particularmente a pé – como peregrinos para Fátima. Cada qual apresenta, normalmente, as razões que levam a empreender tal esforço durante dias. Uns dizem que vão para pagar alguma promessa, feita em horas de aflição; bastantes referem que vão em agradecimento por algum favor humano-divino recebido, habitualmente tendo em conta situações de saúde pessoais ou de familiares; outros ainda vão numa atitude de nada pedir nem de agradecer, tendo somente em conta uma experiência a concretizar.

Ora, raramente – se é que alguma vez foi dito – os entrevistados salientam que se meteram à estrada – a pé ou noutra forma de peregrinação – porque se sentem num processo de conversão pessoal, familiar e em Igreja…seja lá qual for a motivação de vida em conversão a Deus, através de Nossa Senhora.  

= Se atendermos aos parâmetros essenciais da mensagem de Fátima podemos encontrar o seguinte tríptico: oração – conversão – penitência.

Será que é isto que motiva tanta gente a recorrer – de forma direta ou indireta – a Fátima, seja à invocação de Nossa Senhora, seja aos resultados aduzidos como daí advindos? Como se poderá compreender – humana e cristãmente – que haja alguém que vá a Fátima – use o modelo que mais lhe convier – e que continue em zanga com os familiares, os vizinhos ou mesmo a Igreja? Será isso uma fé amadurecida ou antes revelará uma circunstância de crença com sabor a religião (meramente) natural? Como entender que possamos encontrar pessoas que abjuram a prática paroquial, mas tendencialmente recorrem à máquina do anonimato na ‘multidão’ fatimista? Que pensar ainda dos ‘sacrifícios’ – públicos ou privados, de promessa ou aleatórios – dos quais não se nota influência nem repercussão no comportamento quotidiano? Como interpretar que alguns/algumas dos que flutuam pelas paróquias sejam mais cultivadores da imagem da Senhora da capelinha – sabendo que não passa duma representação – podendo menosprezar alguma outra figuração da mesma Senhora num lugar mais simples e recôndito, mas não mesmo autêntico e de venerável devoção?

Os lugares podem falar-nos de Deus, mas será perigoso reduzir a esse lugar a exclusividade da presença do próprio Deus e dalguma representação da Virgem ou dalgum santo… A teologia dos santuários precisa de ser aprofundada numa compreensão de Novo Testamento e da universalidade da ação de Deus no mundo!  

= Porque Fátima e a mensagem trazida por Nossa Senhora através de três pastorinhos é um assunto de fé sério é que urge não continuar a fazer-de-conta que já vivemos o que ali foi dito e posteriormente explicitado. Seria mais uma oportunidade perdida que, por ocasião do centenário das revelações, não tentássemos ir ao fundo do que nos é propor como mensagem de vida e também como linha de espiritualidade.

Cem anos depois continuamos a correr riscos de deixarmos salgar, subtilmente, a fé pelos critérios do mundo. A canonização dos dois pastorinhos mais novos traz-nos potencialidade para que a santidade seja proposta com entusiasmo às crianças, hoje, tão deficientemente introduzidas à fé cristã e à participação na Igreja. A valorização da família no processo de conversão tem de ser levada mais a preceito, não impondo meramente os preceitos da Igreja, mas valorizando a transmissão da fé em contexto familiar sadio e simples.

Porque acreditamos que Fátima tem futuro, tanto ao nível teológico, como na dimensão espiritual, temos de ser capazes de nunca deixarmos de questionar aquilo que fazemos e que vemos outros praticarem, tendo em grau de exigência a mensagem de conversão pessoal e nas implicações que têm de repercutirem-se na vida eclesial, sabendo discernir os tentáculos de infiltração do mal, ajudando e sendo ajudados pelo Espírito de Deus em Igreja e como Igreja católica.

Tal como se diz no hino para a celebração do centenário: Maria nos abre caminho… sê peregrino da esperança e da paz… Com Maria onde queres que vás, Deus em mim! Descobrindo a presença de Deus, seremos mais exigentes na nossa conversão e compreensivos para com os outros!      

 

António Sílvio Couto




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