Por
estes dias temos visto e ouvido muitas intervenções de pessoas que vão –
particularmente a pé – como peregrinos para Fátima. Cada qual apresenta,
normalmente, as razões que levam a empreender tal esforço durante dias. Uns
dizem que vão para pagar alguma promessa, feita em horas de aflição; bastantes
referem que vão em agradecimento por algum favor humano-divino recebido,
habitualmente tendo em conta situações de saúde pessoais ou de familiares;
outros ainda vão numa atitude de nada pedir nem de agradecer, tendo somente em
conta uma experiência a concretizar.
Ora,
raramente – se é que alguma vez foi dito – os entrevistados salientam que se
meteram à estrada – a pé ou noutra forma de peregrinação – porque se sentem num
processo de conversão pessoal, familiar e em Igreja…seja lá qual for a
motivação de vida em conversão a Deus, através de Nossa Senhora.
= Se
atendermos aos parâmetros essenciais da mensagem de Fátima podemos encontrar o
seguinte tríptico: oração – conversão – penitência.
Será que
é isto que motiva tanta gente a recorrer – de forma direta ou indireta – a
Fátima, seja à invocação de Nossa Senhora, seja aos resultados aduzidos como
daí advindos? Como se poderá compreender – humana e cristãmente – que haja
alguém que vá a Fátima – use o modelo que mais lhe convier – e que continue em
zanga com os familiares, os vizinhos ou mesmo a Igreja? Será isso uma fé
amadurecida ou antes revelará uma circunstância de crença com sabor a religião
(meramente) natural? Como entender que possamos encontrar pessoas que abjuram a
prática paroquial, mas tendencialmente recorrem à máquina do anonimato na
‘multidão’ fatimista? Que pensar ainda dos ‘sacrifícios’ – públicos ou
privados, de promessa ou aleatórios – dos quais não se nota influência nem
repercussão no comportamento quotidiano? Como interpretar que alguns/algumas
dos que flutuam pelas paróquias sejam mais cultivadores da imagem da Senhora da
capelinha – sabendo que não passa duma representação – podendo menosprezar
alguma outra figuração da mesma Senhora num lugar mais simples e recôndito, mas
não mesmo autêntico e de venerável devoção?
Os
lugares podem falar-nos de Deus, mas será perigoso reduzir a esse lugar a
exclusividade da presença do próprio Deus e dalguma representação da Virgem ou
dalgum santo… A teologia dos santuários precisa de ser aprofundada numa
compreensão de Novo Testamento e da universalidade da ação de Deus no mundo!
= Porque
Fátima e a mensagem trazida por Nossa Senhora através de três pastorinhos é um
assunto de fé sério é que urge não continuar a fazer-de-conta que já vivemos o
que ali foi dito e posteriormente explicitado. Seria mais uma oportunidade
perdida que, por ocasião do centenário das revelações, não tentássemos ir ao
fundo do que nos é propor como mensagem de vida e também como linha de
espiritualidade.
Cem anos
depois continuamos a correr riscos de deixarmos salgar, subtilmente, a fé pelos
critérios do mundo. A canonização dos dois pastorinhos mais novos traz-nos
potencialidade para que a santidade seja proposta com entusiasmo às crianças,
hoje, tão deficientemente introduzidas à fé cristã e à participação na Igreja.
A valorização da família no processo de conversão tem de ser levada mais a
preceito, não impondo meramente os preceitos da Igreja, mas valorizando a
transmissão da fé em contexto familiar sadio e simples.
Porque
acreditamos que Fátima tem futuro, tanto ao nível teológico, como na dimensão
espiritual, temos de ser capazes de nunca deixarmos de questionar aquilo que
fazemos e que vemos outros praticarem, tendo em grau de exigência a mensagem de
conversão pessoal e nas implicações que têm de repercutirem-se na vida
eclesial, sabendo discernir os tentáculos de infiltração do mal, ajudando e
sendo ajudados pelo Espírito de Deus em Igreja e como Igreja católica.
Tal como
se diz no hino para a celebração do centenário: Maria nos abre caminho… sê peregrino da esperança e da paz… Com Maria
onde queres que vás, Deus em mim! Descobrindo a presença de Deus, seremos
mais exigentes na nossa conversão e compreensivos para com os outros!
António
Sílvio Couto
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