Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 26 de maio de 2014

Abstenção: arma dos eleitores!


Nas eleições para o Parlamento europeu, em Portugal, dois terços dos eleitores inscritos não votaram, isto é, 65,34%... deixaram de exprimir a sua vontade eletiva.

Dizem que é uma forma de exprimir a sua discordância para com o que se está a passar… cá dentro e lá fora. Outros consideram que têm direito a não votar porque não se reveem no sistema político e muito menos nos seus executantes. Há ainda quem tenha outros interesses e não ligue às questões da política, seja ela qual for ou ainda a instância da sua captação.

Desde que pude votar nunca faltei. Votei sempre no mesmo campo ideológico e quase partidário… mesmo por ocasião das presidenciais. Claro vivi muitas derrotas e comparticipei em muitas vitórias. Causa-me, no entanto, fastio certos comentários e uns quantos comentadores… mas o botão de zapping logo me alivia para que não pragueje (nem que seja sozinho) perante avaliação de intelectuais com talas que condiciona a visão… cultural e emocional.

Tentemos desmontar algumas das razões dos abstencionistas, pois, apesar de tal se comportarem continuam a usufruir dos mesmos direitos, podendo contestar sob a capa do anonimato, gozando ou sofrendo com aquilo que é o estar comum ou sob a penumbra do dever não assumido… para com os outros concidadãos.

= Direito/dever… de cidadania

Mais do que uma escolha por simpatia – como há quem considere, sobretudo, nas eleições autárquicas – votar é escolher em função dos outros. E, nem quem se apresenta a ser votado, poderá sentir nisso algo mais que não seja uma forma de viver a aceitação de serviço aos outros. Claro que nem sempre é isso que vemos antes, durante e depois das votações. Isso mesmo se constata na hora da avaliação dos resultados: uns nunca perdem, outros tentam disfarçar as derrotas e outros confundem as instâncias em votação… tentando colher frutos daquilo que não foi plebiscitado… como podemos ver na noite do passado domingo, dia 25.

Ora, neste contexto, a abstenção como que se torna uma espécie de cancro da democracia, onde extirpá-lo poderá significar uma aposta na prevenção da doença e não um mero placebo sem consequências práticas. Com efeito, a raiz da abstenção pode estar na incompetência de tantos dos executantes da ‘sublime arte da política’, que a têm vindo a tornar quase uma reles profissão de oportunistas e carreiristas. Os ataques de malcriadez com que alguns se confrontam – particularmente através da comunicação social – levam as pessoas a rotular todos pela mesma medida… Repare-se como alguns – de áreas sociais, profissionais e intelectuais – combatem as regalias dos políticos mais correm para elas como esfomeados de longa duração… Senhores e senhoras, sejam dignos/as da confiança dos outros ou retirem-se de vez dos palcos e palanques de sedução… senão da ignorância!


= Cidadania com direitos e deveres

Por outro lado, temos de saber combater quem usa os lugares onde se apresenta com menos dignidade e coerência para que não se crie confusão nos eleitores e isso os possa desmotivar de ir votar. Com efeito, será credível apresentar-se à eleição quem contesta o projeto que pretende servir? Que diríamos de um candidato que deseje ser presidente de uma autarquia, mas o que pretende é acabar com ela? Ou ainda de um pretenso deputado cujo objetivo seria servir outro país que não aquele a que pertence?

Foi isto que, alguns candidatos, ao Parlamento europeu venderam: desfazer a Europa, os sinais da sua união e até tentando desmantelar a moeda que já é única numa boa parte dos países membros. De fato, as ideologias ofuscam a racionalidade de algumas pessoas… criando confusão e talvez abstenção. Com efeito, não se pode ter, ao mesmo tempo, o projeto e a sua falência social, económica e política! Haja sensatez intelectual!


A imensa multidão de abstencionistas pode ser rotulada de muitas coisas. Criem-se, no entanto, condições para que os eleitos tenham legitimidade mais garantida e faça-se dos eleitores cidadãos com direitos e deveres pessoais e sociais assumidos, garantidamente! A Europa da paz merece e agradece!...

    

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cultura do encontro: ouvir e aprender


«A cultura do encontro requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber dos outros. Os mass-media podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias em que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é dom de Deus» - diz o Papa Francisco na mensagem para o 48.º dia mundial das comunicações sociais, intitulada: ‘Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro’, que se celebra no dia 1 de junho.

Partindo de algumas frases da mensagem papal, apresentamos pequenos subsídios para leitura do texto.

= Da velocidade da informação à recuperação do sentido da escuta

«A velocidade da informação supera a nossa capacidade de reflexão e discernimento e não permite uma expressão equilibrada e correta de si mesmo… Devemos recuperar um certo sentido de pausa e de calma. Isto requer tempo e capacidade de fazer silêncio para escutar. Temos necessidade também de ser pacientes, se quisermos compreender aqueles que são diferentes de nós».

Urge aprender a não ter medo do silêncio, pois este também é (ou deve ser) linguagem de escuta. Não podemos continuar a sobrepor palavras e imagens que confundem a mensagem…mesmo a do Evangelho. Mais do que palavras e fatos este é uma Pessoa, a de Jesus de Nazaré.

= Quem comunica faz-se próximo

«Como pode a comunicação estar ao serviço de uma autêntica cultura do encontro? (…) Como se manifesta a ‘proximidade’ no uso dos meios de comunicação e no novo ambiente criado pelas tecnologias digitais? Encontro resposta na parábola do bom samaritano, que é também uma parábola do comunicador. Na verdade, quem comunica faz-se próximo… trata-se da minha capacidade de me fazer semelhante ao outro».

Quantas vezes sabemos tantas coisas ao longe e desconhecemos o que se passa ao pé de nós! Quantas vezes nos distanciamos dos que estão mesmo junto a nós! Quantas vezes, sob a capa duma aparente neutralidade, se cria uma máscara de indiferença! Quantas vezes podemos camuflar um certo desprezo com a falta de envolvimento de uns para com os outros!

= Igreja acidentada, comunicativa e missionária

«Entre uma Igreja que sai pela estrada e uma Igreja doente de autorreferencialidade, não hesito em preferir a primeira (…) Somos chamados a testemunhar uma Igreja que seja casa de todos. Seremos nós capazes de comunicar o rosto duma Igreja assim? A comunicação concorre para dar forma à vocação missionária de toda a Igreja, e as redes sociais são, hoje, um dos lugares onde viver esta vocação missionária de redescobrir a beleza da fé, a beleza do encontro com Cristo».

É verdade que a comunicação se faz agora, essencialmente, em rede e não de uma forma unívoca e do púlpito unidirecional. O próprio cartaz alusivo ao dia mundial das comunicações se intitula: uma rede de pessoas!

= Dialogar faz aprender e a caminhar com os outros

«É preciso saber inserir-se no diálogo com os homens e as mulheres de hoje, para compreender os seus anseios, dúvidas, esperanças e oferecer-lhes o Evangelho, isto é, Jesus Cristo. (…) Dialogar significa estar convencido de que o outro tem algo de bom para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista, às suas propostas. Dialogar não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e absolutas».

Depois de um certo dogmatismo (dito) religioso não podemos cair na absolutização relativista, onde cada um se sente dono da verdade… desde que seja a dele ou do seu grupo, se o tem! Somos cidadãos de uma nova galáxia, onde o ambiente digital é ferramenta e não pode ser confundido com a mensagem. Mesmo aqui o Evangelho continua a precisar de anunciadores credíveis porque fiáveis em Cristo e pela Igreja.
 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Critérios cristãos para as eleições europeias

«Numa visão realista do nosso Continente, dinamiza-nos a esperança de uma Europa melhor, em que seja salvaguardada a vida humana desde conceção até morte natural, em que o desemprego não pareça um mal inevitável mas um desafio a responder sem adiamentos, em que as fronteiras não se fechem à solidariedade com os povos maltratados política e economicamente, em que o diálogo inter-religioso e intercultural seja o caminho de sentido único para uma paz justa e duradoura, em que o capital não se arvore em governo autocrático mas sirva a pessoa humana e o bem comum».

Citamos um excerto do documento ‘Votar por uma Europa melhor’, da Conferência Episcopal Portuguesa, com data de 1 de maio passado. Tentaremos referir-nos a cada um dos itens apresentados como ‘critérios’ para a nossa votação, no próximo dia 25.

= Uma Europa em que seja salvaguardada a vida humana desde a conceção até à morte natural

Aqui se denunciam alguns dos erros recentemente cometidos nesta Europa (dita) democrática: o aborto, a eutanásia e tantos outros atentados à vida humana, seja ao nível do Estado, seja nos grupos e pessoas… onde se deu um real retrocesso do valor da vida humana e mesmo da ética sócio-familiar. Quantos sistemas ideológicos e lóbis de grupos anti-cristãos fizeram sucesso nos tempos mais recentes, contribuindo para o ‘inverno demográfico’ que a velha Europa está a sofrer e se irá agravar nas próximas décadas. Não basta clamar pelo (dito) Estado social é preciso saber quem o enterrou com essas políticas de anti-natalidade!
 

= Uma Europa em que o desemprego não pareça um mal inevitável mas um desafio a responder sem adiamentos

O flagelo do desemprego bem como da precariedade do mesmo criou 18% de vítimas entre os mais jovens. Já passou o tempo do emprego para toda a vida e até no mesmo ofício de forma estável. Quantas vezes se confundem possibilidades de emprego como necessidades de sobrevivência materiais. Quantas vezes o magro salário tem de servir para sustentar outros que estão a seu cuidado. Até a necessidade de emigrar pode não ser um fatalismo económico, mas uma possibilidade de crescimento humano e cultural. A intercomunhão de fés pode e deve atenuar as agruras das contingências humanas e até financeiras.

= Uma Europa em que as fronteiras não se fechem à solidariedade com os povos maltratados política e economicamente

O espaço europeu tem servido, em muitos casos, para remediar as lacunas – sobretudo económicas – de outros continentes e regiões. A cadeia de ‘fazer o que outros não querem’, tem servido para valorizar muito do trabalho na Europa. Que o digam os emigrantes lusos em terras de França, da Alemanha, da Suíça, da Bélgica, etc. No entanto, temos visto surgirem alguns chauvinismos para além dos Pireneus, criando apreensão sobre o desenrolar do projeto da União Europeia e mesmo da moeda única. Apesar de tudo o cristianismo e, em particular, o catolicismo, tem feito uma boa ajuda à moderação e ao enquadramento de muitos migrantes… Lampedusa, em Itália, é o exemplo mais flagrante para as vítimas de tentativa de acercar-se da Europa rica… ao menos na fachada!

 

= Uma Europa em que o diálogo inter-religioso e intercultural seja o caminho de sentido único para uma paz justa e duradoura

Já no século XXI ainda encontramos fanatismos numa razoável dose anti-cristã…alguns chamam-lhe mesmo ‘cristianofobia’, onde o tema dos crucifixos foi um paradigma em vários países… O laicismo da pretensa Constituição europeia faliu porque tentaram exorcizar os valores do Evangelho, subjugando-nos aos iluministas, laicos, maçónicos e, tendencialmente, republicanos e socialistas… A perseguição religiosa está na lei, embora não seja assumida na prática! 

= Uma Europa em que o capital não se arvore em governo autocrático mas sirva a pessoa humana e o bem comum

Depois do falhanço do coletivismo marxista e no rescaldo da implosão dalgum socialismo, o capitalismo – sem rosto nem cor partidária ou credo religioso – foi ganhando capitais e contraditórios… A social-democracia e a democracia cristã também capitularam, gerando-se uma nova onda de consumismo, onde a pessoa se tornou objeto e se coisificou a normalidade do dinheiro ganho… nem que seja em concurso televisivo ou promoção de grande superfície comercial… Bem comum sincero, a quanto obrigarias!

Temos de refletir e de escolher. Não votar é (ou pode ser) pecado grave. Obrigar a votar devia ser lei!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 6 de maio de 2014

Somos um povo malandro!


Há dias, no calor da vitória, um treinador de futebol, dizia na televisão: ‘somos [portugueses] um povo malandro’!... Ora, isto, dito em Itália, como que soava a uma espécie de provocação e/ou a retratação da nossa habilidade em saber fintar – muito para além da arte futebolística – as dificuldades da vida e de outros obstáculos mais ou menos conscientes… do nosso eu pessoal e coletivo.

Em muitas e diversas áreas nós, portugueses, temos sabido exercitar – umas vezes de forma mais clara, noutras de modo mais habilidoso – esta arte de suplantar as dificuldades. Há até quem nos admire a capacidade de desenrascanço, num misto de inteligência e de esperteza, conseguindo mesmo iludir a falta de meios, de recursos e de saberes.

À boa maneira portuguesa vamos tentando adiar questões, que, na hora da verdade, têm de ser resolvidas, mas que nem sempre se coadunam com a decisão de última hora e nessa nossa tão característica subtileza de não ficarmos mal, pois pode(re)mos cantar glória… depois de muita luta, suor e sangue.

Da economia à política, do desporto (e não é só no futebol) à cultura, na área do trabalho até às condições de sucesso, passando mesmo pelas expressões de fé e de religião… vivemos muito – talvez demasiado – do improviso, suplantando o que deveria ser assegurado com programação e planos de execução… com princípio, meio e fim.

= Seremos capazes de mudar?

Agora que temos de dar provas de que somos capazes de levar a cabo as tarefas de pagarmos os empréstimos que nos concederam, temos de ser mais sistemáticos na organização dos nossos projetos, conseguindo desfazer a impressão de não somos capazes. Com efeito, tendo nós, portugueses, por essa Europa fora, a fama de que somos bons trabalhadores – talvez dos melhores! – quando tudo está bem organizado, temos de demonstrar que não somos mais ‘esse povo que vive no noroeste da Península Ibérica, que não se governa nem se deixa governar’. Nós temos qualidades quase únicas no mundo, pois sabemos adaptar-nos às mais duras dificuldades e vencemos.

Já basta de sermos vistos por tantos outros povos e culturas de que não somos capazes de ultrapassar as barreiras que a própria língua nos condiciona, pois até somos dos povos que melhor aprendem as línguas dos outros e que somos capazes de vencer as barreiras da nossa condição de povo pequeno, pois temos uma grandeza que muitos outros não apresentam: normalmente um português faz pontes e raramente cria barreiras, antes promove o convívio e faz a alegria aparecer à volta de um batuque ou sob a sonoridade de uns ferrinhos e/ou umas castanholas.

Quantos emigrantes foram aprender – na diversidade das nações e culturas – a serem mais abertos para que depois possam trazer outra abertura de mente e de compreensão para com os seus conterrâneos. Por isso, não será em nada prejudicial que uma nova vaga de emigrantes tenha saído, pois trarão novas ideias e – sendo gente instruída e qualificada, segundo dizem! – saberá criar mais-valia para este nosso país tão necessitado de boas ideias e de capacidade de empreendimento coletivo. 

Pelo muito que temos feito em humanidade, nós, portugueses, precisamos de valorizar mais as nossas boas práticas de convivência e de trabalho, mesmo que os que por cá ficaram sejam ainda descendentes dos que não tiveram coragem de sair nas caravelas dos Descobrimentos. Basta de ‘velhos do Restelo’, pois desses já colhemos lições em excesso e, infelizmente, muitos deles continuam a pontificar nas fileiras de vários partidos políticos, nas assembleias de muitas organizações religiosas e até nas linhas e imagens de tanta comunicação social.

Pelo muito que fomos, pelo tanto que somos e pela enormidade do que podemos ser, precisamos de novos intérpretes para a nossa cultura, pois a visão ideológica de uns tantos não pode sobrepor-se à inovação que urge fazer acontecer. Portugal precisa, merece e conseguirá ser mais do que um ‘povo malandro’ nas conquistas do desporto ou nas diatribes malfadadas do politicamente estar contra…

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Quando aprender pode ser ensinar

 
Recordei-me, por estes dias, de uma observação escutada há muito tempo: um padre foi mudado de paróquia; era relativamente novo; quando chegou ficou impressionado com um grande pedra que estava no meio da igreja; logo iniciou formas de a remover; aproximou-se um velho lá da terra que o aconselhou, dizendo: antes de tirar a pedra de onde está talvez seja conveniente perguntar porque é que a pedra está ainda ali!

De fato, há pessoas que querem, onde chegam, por tudo a seu gosto… e bem depressa. Têm ideias e planos, que devem ser executados com o máximo da rapidez. Por vezes, nem perguntam ou se aferem ao estado das questões e dos lugares… desde que se execute o que pretendem.

Nos tempos que correm há muita coisa que está parada. Há muitas instituições que estagnaram no tempo. Há muitas estruturas anquilosadas e, nalguns casos, sem alma. Há pessoas que estagnaram no já feito, no antes aprendido… numa espécie de segurança sem risco porque (quase) defunta ou morta.

Há ainda demasiados salvadores que mais parecem não ser do que apressados sem consistência. Há projetos que têm de ser renovados e ainda vivências sociais e mesmo eclesiais, que estão a precisar de novas energias e de outros executantes. Há, por vezes, pormenores que podem fazer a diferença para que as coisas mudem… desde as atitudes até à disposição… Mas não se pode fazer como se nada tivesse sido feito, até então!

= Quando aprender…

Na história de cada um de nós fomos aprendendo através de ensinamentos que nos foram ministrados por mais velhos, com mais sabedoria, com mais experiência de vida e até com mais instrução Cada um de nós é resultado de muitas aprendizagens, umas sistemáticas e organizadas para a nossa formação humana e cultural, mas tantas outras que fomos recebendo nos ‘livros’ da vida com boas e más decisões, com lições e erros, com avanços e recuos na estruturação da nossa personalidade.

Manter a capacidade de aprender poderá e deverá ser uma boa atitude de vida, pois com todos temos algo que nos fará crescer e amadurecer… ao longo de toda a vida.

O mesmo se pode dizer da nossa capacidade de adaptação a novas situações, sejam elas de natureza humana, sejam ainda de compreensão das culturas que nos envolvem… O tempo da fixação – nascer, crescer e morrer – no mesmo local já não tem mais lugar. E, quando vamos para um novo lugar, temos de aprender outros hábitos, outras formas de estar com novas pessoas, com quem temos de saber interagir com educação, respeito e, sobretudo, humildade.

Será de toda a inteligência quer aprender antes de querer ensinar… mesmo que se tenha instrução e cultura mais elaborada em relação àqueles/as que nos acolhem. Certas vivacidades fazem o contrário…e os resultados não serão muito benéficos, tanto no presente como no futuro.


… Pode ser ensinar

Será partindo do estado (humano, cultural ou sociológico) em que cada um de nós está que poderemos dialogar na aprendizagem/ensino com os outros. Se alguém quer ser respeitado, terá de saber respeitar os seus interlocutores. Normalmente cultura é muito mais do que instrução e esta deverá enquadrar-se nas possibilidades e oportunidades que são dadas a cada um.     

Quem não terá já aprendido assuntos importantes pelo simples exemplo (ou testemunho) de uma pessoa aparentemente sem grande instrução, mas que adquiriu valores e critérios na escola da vida, seja na família, seja noutra qualquer instância educativa onde se permeiam as grandes questões da vida e da ética.

Se fossemos todos mais humildes aprenderíamos com tudo e com todos, pois será na intercomunhão de ideias, de partilhas e mesmo de culturas que saberemos construir uma sociedade onde a tolerância deixa de ser ideal para se tornar projeto de vida e de conduta.

Como gostaria de saber aprender para que, sem grandes lições, pudesse ensinar! Fica o desejo. Assim o consiga viver e partilhar, onde quer que me encontre!
 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)


terça-feira, 22 de abril de 2014

Exorcizar o medo e a resignação… pela força pascal


Em conversa pessoal e telefónica com várias pessoas, de diferente estrato cultural e mesmo de sensibilidade diversa sobre questões da vida – onde a fé também ocupa espaço – e da relação das pessoas umas com as outras, tirei uma breve conclusão: parece que anda tudo a desistir, o medo possui o relacionamento e nota-se uma espécie de resignação negativa que só traz maior tristeza e angústia.

Ora, estando nós a celebrar a Ressurreição de Jesus Cristo, pode ser oportuno delinear alguns pontos de partilha/reflexão em ordem a exorcizarmos esse medo, que não é de Deus, e tão nefasta resignação, que não é virtude, mas só nos traz aflição.

= Quando o medo faz fugir de nós mesmos!

Não deixa de ser significativo, que havendo tantas lamúrias da falta de dinheiro, os dados referem que este tempo de (ditas) férias da Páscoa foram o melhor da ocupação hoteleira dos últimos anos. É um fato que as nossas assembleias celebrantes nas paróquias se esvaziaram de muitos dos pretensos praticantes… e não terão ido – presumo eu – às celebrações nos locais de descanso…

Não sabemos com certeza o que leva as pessoas a trocar um tempo mais intenso de fé por um tempo de férias. Não sabemos as razões, mas podemos adivinhar as explicações. Não conhecemos todos os motivos, mas poderemos conjeturar a não-motivação. Não julgamos ninguém, mas deveremos interrogar-nos a nós mesmos.

Com efeito, a mobilidade humana é uma das grandes caraterísticas dos nossos dias. Sabemos ainda que as pessoas procuram – até mesmo na linguagem da fé... e na sua expressão católica – os lugares e sítios onde são melhor atendidas, onde encontram respostas para as suas questões, onde podem aliar procura com resposta… Hoje não nos reduzimos à oferta do pé da porta… seja qual for o produto, mesmo em questões de religião. Por isso, o afastamento da prática da fé – dizemo-lo do contexto católico, que é o que parece que conhecemos melhor! – pode ter muitas explicações, mas também pode e deve questionar os comunicadores e os celebrantes… porque o público tem – no seu entendimento, sobretudo, emocional – quase sempre razão!

Uma nota de possível ‘provocação’ – veja-se a realização do jogo principal de um clube, na área do futebol, que não teve pejo de colocá-lo na tarde do domingo de Páscoa…quase tudo parou para se associar ao evento. Será esta assumidamente uma nova forma de religião e de mística? Nada nos move contra ninguém, mas a inovação do episódio dever-nos-ia fazer refletir… a todos!

Poderemos, então, deduzir que o medo como que se exorciza na força da união e esta se exprime em celebrações rituais nem sempre tão consentâneas com a tradição pessoal ou grupal.

= Resignação ou reivindicação?

Já vai longe o tempo em que a resposta: ‘tem que ser, resigne-se’, calava os impropérios de nem tudo decorrer como era desejável. Desde há umas décadas a esta parte, sobretudo na nossa cultura portuguesa, ouvimos mais: ‘tenho direito… exijo’, resumindo, deste modo, a capacidade de não ter de se submeter mesmo às condicionantes da vida com suas agruras e sacrifícios.

Parece que até o sacrifício com valor religioso e espiritual caiu em desuso. Com alguma dificuldade se faz apelo à penitência e aos exercícios de abstinência e de jejum. Temos estado a viver mais ao sabor do hedonismo do que ao ritmo do estoicismo. A vivência do cristianismo tem tido dificuldade em aferir-se ao bom proveito das coisas que dão prazer na vida e nem sempre se tem feito um enquadramento correto da entrega do que custa como processo de purificação espiritual e mesmo religiosa.

Quantas vezes há alegria sem se ter percorrido o caminho do Calvário. Quantas vezes os aleluias de festa não correspondem às genuflexões diante da Cruz. Quantas vezes os foguetes de contentamento não tiveram o correspondente bater no peito de arrependimento.
 

Que a Cruz vazia de Cristo signifique um revigoramento da paz sem medo de um maior acolhimento de Jesus na vida e cuidado aos outros!        

 

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)

quinta-feira, 17 de abril de 2014

’25 de abril’ sempre?


Estamos prestes a completar quatro décadas sobre a designada ‘revolução dos cravos’, ocorrida a 25 de abril de 1974.

É costume perguntar-se: ‘onde estava quando aconteceu o 25 de abril’.

Pela minha parte estava no seminário de N.ª S.ª da Conceição, em Braga, a frequentar o quarto ano, hoje designado de oitavo ano de escolaridade. O reitor do tempo, cónego António Macedo quis dar-nos algumas informações sobre o que estava a acontecer em Lisboa. Recordo-me muito pouco do que ele disse… só com o passar do tempo me apercebi do significado daquela data… mais a sério.

Lá nos confins do norte de Portugal iam-nos chegando notícias de alguma convulsão na capital, mas éramos olhados de soslaio, como reacionários aos fervores vindos doutras paragens…

Não queremos nem podemos fazer juízos de valor sobre certas propagandas desse tempo, embora pareça que, ainda hoje, haja pessoas que pararam naquela época e que tentem recolher como louros o que já nessa ocasião pareciam erros e exageros.

Não podemos cometer esse erro histórico de querer ler os acontecimentos do passado à luz das circunstâncias do presente, nem podemos incorrer na falácia de pretendermos dar lições a quem não as aceitar nem tão pouco aceitar correções de quem cometer erros mas deles nunca se arrependeu nem fez ‘mea culpa’.

Porque o património histórico e social do ’25 de abril’ ultrapassa as fronteiras de classes de ideologias como que ousamos apontar alguns aspetos – que bem poderiam ser outros – que nos ocorrem nesta exame de consciência pessoal e coletivo.

Porque o assunto é um tanto delicado, propomos mais perguntas do que afirmações:

- Os militares mais politizados já despiram a farda das honrarias ou ainda vivem nestas como se fossem donos da verdade e das consciências?

- Certas forças partidárias já perceberam que a sua boa organização – que tão bons frutos lhes conquistou – já foi ultrapassada e melhorada na forma e no conteúdo?

- As conquistas de abril foram de verdadeira justiça social ou antes tornaram-se suporte de algumas habilidades de grupos e de setores reivindicativos fortes, mas entretanto enfraquecidos e/ou esvaziados?

- Alguma da cultura imposta já percebeu que as pessoas evoluíram na instrução e não se deixam conduzir só pela emoção… mais ou menos circunstancial?

- A liberdade de expressão – tão marcante e simbólica – já foi percebida como vivência de todos e não só de alguns, mesmo que maioritários por fases eleitorais?

- Sobretudo as gerações mais novas (nascidas e criadas) após o ’25 de abril’ – já cognominadas de ‘rasca’, ‘à rasca’, ‘canguru’ ou ‘nem/nem’ – já perceberam que o sucesso se conquista com trabalho e competência?

- A ligação – política, económica e social – à Europa comunitária só serve para benefícios ou também nos coloca exigências?

- Para quem defende – pretensamente por patriotismo – a rutura com a Europa por há de colher os benefícios se não quer aceitar as condições dessa pertença?

- Dizem alguns ‘inteligentes’ de que é (era) preciso um novo ’25 de abril’, mas será que já assimilamos o que o primeiro nos trouxe, efetivamente?

Porque acreditamos no bom senso do povo português – que fez uma revolução sem derramar sangue – consideramos que será um exagero reduzir a revolução do ’25 de abril’ a uma panóplia de recordações ou mesmo de acusações, mas, antes, terá de tornar-se uma nova ocasião para rever projetos e de construir pontes, pois o passado não volta, o futuro será possível, se hoje, formos capazes de nos unirmos na reconstrução da nossa Pátria e do espírito de Nação… muito para além do mundo do futebol… da seleção!

 

António Sílvio Couto