A entrada em funcionamento das portagens não-pagas nalgumas scut’s (portagens sem custos para os utilizadores) criou uma evidente injustiça, pois quem não utiliza essas auto-estradas paga para que outros por lá passem sem terem pagar. O método mais justo, eficiente e eficaz é o do ‘utilizador-pagador’, pois quem usufrui do serviço deve pagá-lo... Tudo o resto soa a demagogia, senão mesmo a populismo barato.
1. Vejamos em que constava o tal serviço ‘scut’. O conceito de portagens ‘scut’ foi introduzido em Portugal em 1997 durante o governo de António Guterres, sendo baseado no modelo das shadow toll (portagens virtuais), o qual já era implementado no Reino Unido desde 1993. O primeiro contrato a ser assinado foi o da Concessão da Beira Interior (em setembro de 1999), através do qual o Estado português entregou aquela concessão à empresa Scutvias por um período de 30 anos. Nesta concessão (tal como nas outras 9 concessões SCUT que viriam a ser criadas), o concessionário privado não só recebeu a responsabilidade de construir novas estradas como também de manter estradas que já existiam. Deste modo, em finais da década de 2000 existiam em Portugal dez concessões financiadas por portagens ‘scut’, cujos contratos haviam sido assinados entre 1999 e 2006.
Entre 2010 e 2016, praticamente todos os contratos de concessões ‘scut’ foram revistos, em parte com o objetivo de diminuir as rendas pagas pelos concedentes aos concessionários. No caso das concessões do Estado, as alterações incluíram não só a mudança total do modelo de concessão (passaram de um regime de portagens ‘scut’ para um regime de disponibilidade) como também a introdução de portagens reais, uma medida que se revelou bastante controversa desde que foi proposta pela primeira vez (em 2002) e que trouxe este modelo de financiamento para a discussão na praça pública.
2. As reivindicações quanto ao não-pagamento de portagem nas ex-scut teve implicações, no início deste ano, nalgumas situações mais reivindicativas. Em causa estão as portagens dos seguintes troços de autoestrada: A4 (transmontana e túnel do Marão); A13 e A13-1 (Pinhal Interior); A22 (Algarve); A23 (Beira Interior); A24 (Interior Norte); A25 (Beiras Litoral e Alta); A28 (Minho nos troços entre Esposende e Antas e entre Neiva e Darque). Com esta discriminação se pretendeu dar, a certas regiões mais no interior do país, a possibilidade de terem melhores condições de deslocação, dado que as alternativas a essas vias estavam em menos boas referências, segundo os reivindicativos.
3. Segundo alguns mentores desta mudança na forma de uso da ‘scut’ pretende-se promover a coesão territorial, aliviando os custos financeiros para os condutores e incentivando o desenvolvimento económico das regiões afetadas. O custo estimado desta política para os cofres do Estado é de cerca de 157 milhões de euros em 2025, podendo atingir 1,5 mil milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Entretanto, a associação dos concessionários (de autoestradas e de pontes com portagens) alertou para o impacto desta medida nos contribuintes, sublinhando que os custos de manutenção e operação das vias serão agora suportados integralmente pelo erário público… Tanto dinheiro a gastar terá os seus custos, nas contas gerais, irremediavelmente!
4. Não será que esta discriminação é quase-cega e que deixa alguém em risco? Por que tem de pagar aquelas ‘scut’ quem lá não passa? Mesmo que se pretenda ajudar quem vive no interior não será com medidas destas à la carte que se irá beneficiar e potenciar certas regiões… Iremos continuar a ter pavimentos nessas ‘scut’ de qualidade mínima, se for o erário público a suportar os custos?
5. A ‘engenharia’ ideológica, que uniu socialistas e extremistas de direita – usando a nomenclatura em uso no léxico partidário – dá a impressão que foi engendrada para servir certas candidaturas autárquicas. Assim sendo, pouco importa quem propõe ou quem votou: os interesses e arranjos de futuro foram pensados agora. Será que serão recompensados, quando forem sufragados?
António Sílvio Couto
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