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quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Que relação entre criminalidade e pobreza?

 

«É um preconceito e é um insulto para milhares de portugueses a mera sugestão de que quem vive em contextos sociais duros e desafiantes tem maior probabilidade de infringir a lei e agredir outros cidadãos e elementos das forças de segurança... Tal sugestão seria não acreditar no funcionamento do elevador social, recordando os tempos em que o número de pessoas em contextos e condições sociais complexas era superior e o número de crimes era menor...Num estado de direito democrático, cada pessoa, cada um de nós, tem de fazer uma escolha».

Estas afirmações foram proferidas pela ministra responsável das forças de segurança no parlamento nacional, aquando de uma audição sobre acontecimentos recentes envolvendo forças daquela área.

1. Não foram necessários muitos minutos para que elementos de outras colorações ideológicas viessem a terreiro contestar aquelas perspetivas enunciadas, lançando como que um labéu sobre os pobres, fazendo como que potenciais criminosos e, pior, como que conectando pobreza com criminalidade e vice-versa. Mas será, assim, tão linear que os pobres são potencialmente criminosos? Não será que muitos destes são exatamente os ricos e cheios de fortunas ganhas na criminalidade? Até onde irá a complacência para com certos mentores da crispação social, económica e ética? Não andaremos à procura de fatores de distração em vez de enfrentarmos as causas tanto da pobreza quanto da criminalidade? Até onde poderemos ir - isso sim - na correlação entre a injustiça como acicate da criminalidade? A justiça não se terá tornado fator de prolongamento da criminalidade quanto é lenta, cara e imoral? Num tempo de superficialidade importa não nos quedarmos por clichés baratos e populistas...

2. A conexão entre liberdade e segurança é por demais simples e incisiva, pois uma e outra não podem ser absolutizadas nem tornadas excluidoras uma da outra: para termos liberdade precisamos de segurança e esta favorece e fomenta aquela. Mal vai um país onde se toma posição por uma sem incluir a outra, pois ambas são necessárias para a harmonia social mais elementar e democrática. Das experiências vistas noutras paragens podemos perceber que liberdade sem segurança cria conflitualidade social e segurança sem liberdade pode resvalar para a ditadura... Dá a impressão que muita gente - dos meios políticos e económicos - não aprendeu nada como outros regimes e em épocas de antanho.

3. Algumas das acusações proferidas em público mais parecem servir agendas subterrâneas do que são propostas de solução desse flagelo imoral que é a pobreza, notando-se que há muitos interesses em mantê-la. Com efeito, tantos concidadãos estão presos pela boca - pelo que lhes dão de comer ou através de subsídios - porque continuam a ser pobres e reproduzem ainda mais pobreza. Há quem nasça pobre e não se torne criminoso e há criminosos que enriqueceram de forma desonesta, não escondendo, na sua ignorância, os sinais de riquezas... Já o referi várias vezes: os pobres alimentam interesses de muita gente, sejam os organismos estatais, sejam as associações e trabalhos (ditos) cívicos e até a organizações eclesiais, desde as mais simples até às complexas... Se tirassem os pobres da agenda política alguns ficariam desempregados e sem saberem fazer nada de útil.


4. Já dizia S. Agostinho: em cada um de nós coexiste o maior santo e o pior criminoso, é uma questão do ambiente onde vivemos. Com efeito, o meio-ambiente faz de nós e em nós muito daquilo que somos e como nos manifestamos em sociedade. Por isso, a tema da criminalidade não pode ser analisado de forma banal nem as consequências daquilo que vivemos e como isso acontece com os outros deixa de ser de somenos importância. Quem não conhece pessoas sérias, leais e honestas em meios quase degradados e, pelo contrário, em situações mais articuladas entre as pessoas se manifestam problemas com gravidade quase criminosa. O ambiente somos nós que o fazemos e este também nos educa segundo os seus valores, critérios e condicionamentos…. Será que são todos (ou minimamente) cristãos?



António Sílvio Couto

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