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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Lealdade a quanto obrigarias

 

Por estes dias surgiu nas áreas de comunicação (social ou de fofoquice) a gravação de um treinador de futebol dando instruções e reprimendas aos jogadores seus dirigidos. A linguagem é um tanto simples, num vernáculo onde se ouvem palavras ditas do calão ou mesmo da comunicação direta mais básica. O que foi reproduzido – ou intencionalmente selecionado? – deixou alguns mais ortodoxos (na linguagem e do mundo do futebolês primário) em palpos-de-aranha, tal a ousadia do palestrante. Certos comentadores (ou serão figuras adstritas ao quanto-pior-melhor?) menos afetos ao clube em causa verberaram o dito treinador, enquanto outros como que rejubilaram com o sucedido…

1. Mas há uma questão básica essencial: se aquilo era para o interior do dito balneário, por que saiu para fora daquela forma? Se aquilo só interessava, em princípio, aos visados, por que foi tornado tão público? Haverá, lá pelos recônditos da casa, quem esteja interessado em divulgar o que seria, em boa-fé, de âmbito restrito? Não será este episódio do mundo do futebol – com as suas regras e clichés próprios – uma manifestação de deslealdade mais básica e condenável? Como poderemos entender, neste como em tantas outras situações, casos de deslealdade ou até de cobardia, de traição e de mentira? Será que isto foi engendrado a rogo de forças instruídas para destabilizar?

2. Antes de mais vejamos o significado de ‘lealdade’, enquanto qualidade humana, valor cultural, virtude cívica e, por que não, atitude cristã. Numa espécie de definição descritiva poderemos considerar lealdade como virtude que se desenvolve conscientemente e que implica cumprir com um compromisso ainda que seja perante circunstâncias constantemente em mudança ou adversas. Trata-se de uma obrigação que se tem para com o próximo. Lealdade pode ainda ser entendida como o cumprimento daquilo que exigem as leis da fidelidade e da honra. Um homem de bem deve ser leal a outras pessoas, a organizações (como a empresa para a qual trabalha) e à sua nação. Mas será que a deslealdade se pode equiparar à traição? Em certo sentido esta comporta a violação de um compromisso expresso ou tácito…

3. Sem pretendermos tornar o tema ‘religioso’, vejamos passagens bíblicas onde este tema da lealdade é referido. Nos escritos proféticos: Portanto, volte para o seu Deus, e pratique a lealdade e a justiça; confie sempre no seu Deus (Os 12,6); Mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado”, declara o Senhor (Jr 9,24). Nos escritos sapienciais: Muitos se dizem amigos leais; mas um homem fiel, quem poderá achar? (Pr 20,6); O Senhor se agrada dos que o temem, dos que depositam a sua esperança no seu amor leal (Sl 147,11); Ponha a sua esperança no Senhor, ó Israel, pois no Senhor há amor leal e plena redenção (Sl 130,7). Nos textos do Novo Testamento: nos evangelhos – Pedro declarou: ‘mesmo que seja preciso que eu morra contigo, nunca te negarei’. E todos os outros discípulos disseram o mesmo (Mt 26, 35). Nos escritos paulinos - O que se requer dos administradores é que sejam fiéis (1 Cor 4, 2); Lembre a todos que se sujeitem aos governantes e às autoridades, sejam obedientes, estejam sempre prontos a fazer tudo o que é bom (Tit 3,1). Com a lealdade de Deus contamos sempre… Na convivência humana podemos e devemos tornar essa mesma lealdade sinal, presença e testemunho do trato com os outros.

4. Dá a impressão que as relações humanas – diretas ou indiretas – precisam desta virtude cívica, pois corremos o risco de nos andarmos a enganar com subtilezas, com palmadinhas nas costas ou com elogios desfasados da realidade daquilo que sentimos e que pensamos uns dos outros. Ora, tudo isso gera desconfiança e cria uma sociedade onde a aldrabice, o engano, a adulação e a mentira se podem tornar ‘qualidades’ para vingar nos mais diversos espaços e oportunidades. Quantas vezes nos admiramos de pessoas que mereciam a confiança dos outros e que cai a máscara. Quantas vezes certas simpatias se manifestam mentirosas, enganadas e enganadoras. Quantas vezes teremos de ser leais para connosco mesmos, podendo desconfiar da própria sombra, que sempre exagera nas proporções e nas perceções…



António Sílvio Couto

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