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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Da Igreja piramidal à Igreja em círculos?

Por vezes, quando se queria falar da vida (interna e exterior) da Igreja usava-se a expressão: ‘Igreja piramidal’ para exprimir o excesso de hierarquização dos serviços entre os católicos, sobretudo alicerçada esta visão numa dimensão mais eclesiástica, decorrente de quem manda de cima-para-baixo.
Ora, atendendo aos momentos mais recentes – em especial no pontificado do Papa Francisco – têm-se vindo a tentar uma outra forma de presença em Igreja: numa atitude circular, isto é, em que todos estão à mesa sem haver, de per si, uma presidência ou algo que a faça entender...

1. Mas será esta a forma – a da postura circular – a mais essencial de lermos, vermos, pensarmos e sentirmos a Igreja católica? Não correremos o risco de estarmos em muitas mesas em círculo e não fazermos comunhão? Não haverá o perigo de estarmos reunidos e em não estarmos unidos? Não se poderá dar o caso de criarmos a sensação de que todos temos a mesma responsabilidade, embora as razões possam ser diferentes? Até onde poderá ir o desafio da sinodalidade na construção da eclesialidade? Já teremos feito o caminho da descoberta dos carismas para que não venhamos a distorcer as causas do tempo piramidal? Até onde podereremos ir na refontalização bíblica à luz da dinâmica do Espírito de Deus nas pessoas e nas comunidades?

2. Confesso que a imagem de vermos mesas em círculo – na aula pontíficia vaticana, nos salões de Fátima ou nas reuniões do clero bracarense – como modelo de gerar a partilha e a discussão tem riscos e podemos andar a correr mais depressa do que as ideias: uma certa ideia ‘democrática’ pode pairar naquelas imagens e não deverá ser essa a dinâmica da Igreja nem na Igreja. Se atendermos aos princípios enunciados na constituição dogmática ‘Lumen gentium’ sobre a Igreja teremos de ir às fontes: a Igreja é e deve manifestar a imagem da Santíssima Trindade – povo de Deus (n.º 2), corpo de Cristo (n.º 3) e templo do Espírito Santo (n.º 4)... num encadeado simples, claro e de compromisso. Somos sim, Igreja peregrina à luz da Trindade!

3. Mais do que dar lições para os outros sinto-me na obrigação de refletir sobre esta ‘nova’ forma de implementar o estar em Igreja, na vocação a que fui chamado. Recordando a recente fórmula de nomeação da função de pároco lá se diz: investido no munus de ensinar, de santificar e de govenar. Estas três dimensões adstritas à função de pároco comportam aspetos que exigem da mesma pessoa capacidade e qualidades para assumir isso que lhe é apresentado como tarefa e que se torna, por vezes, quase incomportável na mesma pessoa e que o possa exercer de forma capaz e com a mesma tenacidade humana. Por vezes as pessoas querem que um padre possa ser, de forma igual e capazmente, um bom pregador e um bom confessor, um bom executor de trabalhos materiais e um bom fomentador da caridade, um bom presidente (litúrgico) e um bom cantor... O chefe da orquestra não terá de tocar todos os instrumentos, mesmo que saiba interpretar as músicas de cada naipe. Por vezes o discernimento vocacional para o ministério sacerdotal precisa de mais capacidade de humildade do que de investimento em autoridade, essa onde se alicerçava a Igreja-piramidal.

4. Devíamos ter iniciado a conjugação da Igreja sinodal pelo aprofundamento da teologia dos carismas e dos ministérios, numa Igreja comunitária e não só funcional, onde cada um exerce sempre e só aqueles dons que podem edificar os outros. Ao juntar as pessoas à volta de uma mesa sem que elas tenham já descoberto e possam ter-lhe sido confirmados pela comunidade os carismas podemos fazer correr riscos e mesmo queimar etapas de reflexão e de vivência da própria sinodalidade. Não é isso que parece ter sido feito? Quisemos que todos – ou a maior parte – dos fiéis entrassem nesta dinâmica sinodal, mas dá a impressão que nos esquecemos de ir mais a fundo no mergulhar das raízes da comunidade primigénia, aí onde o Espírito inspirava e conduzia os irmãos na mesma dinâmica de serviço, de fraternidade e de comunhão.

5. As cadeiras estão postas, como as vamos dispor: em círculo ou em fila? Encontremos a melhor resposta.



António Sílvio Couto

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